Representantes da sociedade civil organizada pediram a criação de uma frente parlamentar contra a tortura no sistema prisional e nas unidades socioeducativas, além da revogação do Decreto 9831/19, do Poder Executivo que, segundo eles, esvaziou a atuação do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura e da Lei 12.847/13, que instituiu um sistema nacional com o mesmo objetivo.
As reivindicações foram feitas durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, nesta quarta-feira (30). O evento lembrou o Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura, celebrado em 26 de junho. De acordo com os debatedores, há 700 mil presos no país, 250 mil a mais do que a capacidade do sistema e 32% deles ainda não foram condenados.
Os participantes da discussão lembraram que o Brasil é signatário de um protocolo da Organização das Nações Unidas (ONU) de combate à tortura. Mesmo assim, relatório da Pastoral Carcerária Nacional mostra um crescimento de 104% no número de denúncias de tortura em prisões entre 2018 e 2020, conforme relatou a coordenadora nacional da entidade, a irmã Petra Pfaller.
“Nesses espaços a tortura é regra, é instrumento utilizado pelo Estado para controlar corpos negros e jovens, para adoecer homens e mulheres, para extinguir as vidas. É a engrenagem que mantem em funcionamento essa máquina de moer vidas. Não há prisão sem tortura”, disse.
Efeitos da pandemia
Os debatedores afirmaram que a pandemia do coronavírus trouxe mudanças consideradas negativas por eles, como a eliminação da visita aos presos e o estabelecimento de audiências de custódia por meio virtual. Também acentuou a tortura e os maus tratos no sistema prisional.
A pesquisadora Monique Cruz, da ONG Justiça Global, lembrou que três casos de tortura registrados no Espírito Santo, Pernambuco e Maranhão já chegaram à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ela detalhou como alguns episódios acontecem.
“O uso de armamentos menos letais pelas equipes de segurança cada vez mais militarizadas costuma se dar como forma de punição, represália, imposição de disciplina e até mesmo como resposta a reivindicações das pessoas presas por direitos como o atendimento à saúde”, observou.
Presente à audiência, o deputado Delegado Éder Mauro (PSD-PA) discordou de propostas de desencarceramento feitas por outros participantes e salientou que, em relação à tortura, já há mecanismos estabelecidos para coibir exageros.
“Eu sou de acordo que os excessos, que coisas que venham a ser cometidas realmente que não devem e que eu não concordo, sejam punidas e muito. Existem as corregedorias nas polícias, nas casas penais, exatamente para apurar esse tipo de coisa”, afirmou.
Silêncio da sociedade
A deputada Erika Kokay (PT-DF), uma das organizadoras da audiência, ressaltou que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo e que o recrudescimento de penas não fez diminuir a violência. Ela acrescentou que a tortura está presente em presídios e delegacias.
“A tortura existe e, em grande medida, conta com o silêncio cúmplice da sociedade. É como se a tortura fosse permitida de acordo com quem ela atinge, ou seja, os direitos não são direitos universais”.
Representante da Rede Nacional Internúcleos de Luta Antimanicomial (Renila), Andressa Ferrari apontou que a manutenção de hospitais psiquiátricos para o tratamento da saúde mental também é uma forma de tortura que deve ser combatida.