Em diligência realizada nesta quarta-feira (30) nas instalações da nova sede da Fundação Cultural Palmares (FCP), em Brasília, a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados encontrou problemas na conservação do acervo histórico da instituição. A comitiva de parlamentares, coordenada pela presidente do colegiado, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), e composta por representantes do poder público e da sociedade civil, foi recebida pelo coordenador-geral do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra, Marco Frenette, e pelo coordenador-geral de Gestão Externa da fundação, Rodrigo Hosken.
Para a deputada Alice Portugal, o cenário encontrado representa um total descaso com o acervo histórico da fundação. “Materiais históricos valiosos estão armazenados em caixas de papelão. O acervo está incompleto e em condições incompatíveis com a preservação de qualquer livro, sem temperatura, umidade e luminosidade adequadas", afirmou. De acordo com a deputada, a fundação apenas separou os materiais que considera “ideológicos”. "Isso é caso de polícia. É gravíssimo. A pergunta que eles precisam ainda nos responder é: onde está o patrimônio histórico e cultural da Fundação Palmares do Brasil?"
Marco Frenette contestou as críticas. "O acervo está muito bem guardado e em perfeito estado. Eu ficaria chocado se encontrasse um acervo limitadíssimo e desconectado da missão institucional da Fundação Palmares. Com a construção do Centro de Estudos Machado de Assis, eles serão novamente expostos. E frise-se que esses livros não estão expostos desde 2016, ou seja, as gestões anteriores nunca se preocuparam com esse acervo. Nós somos a primeira gestão da Fundação Palmares que se preocupa com esse acervo. Outra coisa que causa espécie é que eles não fizeram nenhum tipo de vistoria em outras gestões, e magicamente agora começaram a se preocupar com o acervo da Fundação Palmares", disse.
Quilombos
Na diligência, Alice questionou os diretores da fundação sobre os livros e documentos dos assentamentos dos quilombos no Brasil, se existe um acervo da participação brasileira no Festival Mundial de Arte Negra de 2010, ocorrido no Senegal, e se a documentação referente ao Parque Memorial Quilombo dos Palmares, implantado em 2007, no alto da Serra da Barriga, está protegida. Os diretores não souberam responder.
Gilcy Rodrigues Azevedo, da equipe técnica da Câmara dos Deputados, destacou que é preciso um tratamento mais adequado ao acervo da fundação. “Percebemos que não há ventilação no local, não existe a troca de ar necessária, bem como a temperatura e a umidade não estão adequadas para a preservação do acervo”, ressaltou. Ela identificou que a FCP misturou materiais que em 2019 foram classificados com contaminação de fungos com outros documentos. “Isso é complexo, porque esses documentos com fungos podem contaminar todo o acervo”, completou.
Para deputada Benedita da Silva (PT-RJ), autora do requerimento da visita juntamente com Erika Kokay (PT-DF), a FCP está sendo destruída pelo governo Bolsonaro. “Querem acabar com o acervo da fundação para apagar a história e as lutas da população negra, mas estamos em luta contra essa destruição da nossa história”, disse.
Ao final da diligência, a deputada Alice entregou aos coordenadores um ofício da Comissão de Cultura da Câmara com diversos questionamentos sobre a preservação do acervo histórico e espera que a Fundação apresente os devidos esclarecimentos o mais rápido possível.
Na visita, Iêda Leal, do Movimento Negro Unificado, destacou a importância de não haver descarte de nenhuma publicação do acervo da fundação. “Está errado quando se considera excluir as publicações de Karl Marx, por exemplo, alegando que se trata de material ideológico. Todo livro tem sua história e contribuição com a identidade do nosso povo”, afirmou.
Também participaram da diligência as deputadas Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Fernanda Melchionna (Psol-RS) e o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), além de representantes de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), União de Negros pela Igualdade (Unegro) e Conselho Federal de Biblioteconomia, além de, servidoras especialistas do Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados.