Especialistas ouvidos na audiência pública da comissão especial da reforma administrativa (PEC 32/20) defenderam que os artigos da proposta que tratam da intervenção do Estado sobre o domínio econômico não sejam tratados por meio de emenda à Constituição.
O empresário e ex-banqueiro de investimentos Eduardo Moreira teme que a PEC 32/20 impeça programas de desenvolvimento setorial e esvazie as empresas públicas com as medidas que vedam ao Estado instituir mecanismos de reserva de mercado. "O Estado é o único com capacidade de nos proteger dos monopólios e oligopólios privados", apontou.
O professor de Direito Econômico e Economia Política da Universidade de São Paulo (USP), Gilberto Bercovici afirmou que a vedação a reserva de mercado acaba definitivamente com qualquer política de fomento público. "Vão acionar o Poder Judiciário contra linhas de crédito ou bancos públicos. O Brasil vai ser o único País do mundo a proibir toda e qualquer política industrial na Constituição. Questões de matéria legislativa não tem cabimento de serem trazidas para Constituição", defendeu.
PIS e FGTS
O diretor da Sociedade Brasileira de Direito Público, Carlos Ari Sundfeld, teme que o efeito seja o oposto do pretendido por ampliar o papel e competência do Supremo Tribunal Federal (STF) na definição de políticas públicas. Ele observou que a reserva de mercado já está prevista na Constituição em alguns casos. "A gestão de recursos do PIS será mantida pelo BNDES, mas a Caixa Econômica Federal terá de transferir ao mercado privado a gestão de recursos do FGTS", prevê.
Sundfeld também teme que o dispositivo prejudique os investimentos em pesquisa na Embrapa. "A empresa tem reserva de recursos por lei, mas não pela Constituição. A Embrapa terá de deixar de existir, pois precisará disputar recursos públicos com outras empresas que quiserem atuar no mercado de pesquisas." Outras estatais que poderiam ser prejudicadas seriam as empresas de outorgas diretas, como as companhias portuárias e de transporte metroviário.
Transparência
O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle (Unacon), Bráulio Cerqueira, também observou que a proposta permite ações judiciais contra concessão de linhas de crédito do BNDES e contra subsídios de qualquer natureza. Ele ainda vê problemas de transparência na gestão de recursos públicos. "A PEC não define regras para transparência e controle. Permite que qualquer estrutura do Estado seja usada por agentes privados sem contrapartida. Amplia a autonomia gerencial dos órgãos com contrato de desempenho para gestão de receitas próprias. Torna obscuro o orçamento dos órgãos supervisionados, com programações únicas e específicas dos contratos de desempenho. Isso dificulta a prestação de contas", relatou.
O diretor de Relacionamento, Cidadania e de Supervisão de Conduta do Banco Central do Brasil, Mauricio Costa de Moura, afirmou ser favorável às cláusulas de desempenho, especialmente na gestão de receitas próprias e na exploração de patrimônio próprio. Ele ponderou que o Banco Central traria peculiaridades, por ser uma autarquia não vinculada a ministério. Moura lembrou que, na lei de autonomia do Banco Central já há mecanismos de transparência e avaliação de desempenho. "O presidente do Banco Central tem mandato fixo, mas pode perde-lo com desempenho insuficiente."
O presidente da República.org, Francisco Gaetani, também criticou que os contratos de desempenho sejam tratados por meio de Emenda à Constituição. "Se enrijecermos muito a Constituição, a administração pública será paralisada, criminalizada e judicializada. Com alternância de poder, vamos ficar sempre discutindo emendas constitucionais."