Especialistas de instituições acadêmicas e ONGs criticaram o sistema de rastreamento de casos de Covid-19 adotado pelo governo federal no Brasil. Eles debateram o tema com representantes dos ministérios da Saúde e da Ciência, Tecnologia e Inovações em audiência virtual da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (24). Google e Apple, que fornecem tecnologia para os aplicativos federais, foram convidados, mas não compareceram.
O professor Mozart Sales, do Instituto de Medicina Integral, reclamou de burocracias nas ferramentas digitais e do baixo volume de testes para Covid-19, que, segundo ele, atrapalham a eficácia do processo de rastreamento de quem teve contato com pessoas contaminadas com o coronavírus. “Sem testagem, não existe contact tracing [rastreamento de contatos] e não existe possibilidade de controlar [a pandemia]. Senão, infelizmente, é aguardar que o patamar [elevado] de vacinação chegue – o que ainda vai demorar – e continuar vendo essas cenas diárias do enfileiramento de caixões Brasil afora”, lamentou.
Críticas semelhantes partiram do professor César Olavo, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. Médico e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Fernando Bozza defendeu ações conjuntas dos agentes públicos com academia, ONGs e desenvolvedores de tecnologia para suprir lacunas nesse rastreamento.
Bozza também faz parte da ONG Dados do Bem, que desenvolveu um aplicativo para apoiar estratégias de testagem e mapas de distribuição de sintomáticos, positivos e contatos de Covid-19. Já teve cerca de 2 milhões de downloads e permitiu mais de 402 mil testes, dos quais 20% constataram a doença. Por meio do aplicativo Dados do Bem, Fernando Bozza relata ações bem-sucedidas de isolamento seguro em favelas cariocas, baseadas em comunicação, vigilância e parceria com outras ONGs locais. “A assistência social vai na casa pessoa, identifica as necessidades e nós criamos os kits de limpeza e os kits de proteção que são distribuídos para quem está em isolamento. Além disso, elas são acompanhadas por telemedicina”, explicou.
Coronavírus-SUS
Um dos representantes do governo federal, o diretor do DATASUS, Jacson Barros, detalhou o funcionamento do aplicativo Coronavírus-SUS, que utiliza o bluetooth do celular para o rastreamento de casos de Covid-19. São usadas tecnologias do Google e da Apple para envio criptografado das informações de contágio. “Basicamente, quando você chega perto de uma pessoa que teve Covid-19 no prazo de até 48 horas, há o alerta de uma possível exposição”, explicou. O aplicativo Coronavírus-SUS já teve quase 65 milhões de downloads e mantém 3 milhões de usuários ativos.
Greice do Carmo, do grupo técnico de vigilância epidemiológica do Ministério da Saúde, resumiu o processo de rastreamento, isolamento e monitoramento de contatos. “A gente faz isso em duas etapas. A primeira é o rastreamento de contatos, em que se atende o paciente suspeito ou já se recebe a notificação de um caso confirmado de Covid. Inicia-se o rastreamento: tem que se fazer uma entrevista com aquela pessoa para identificar os contatos e orientar como será a estratégia de monitoramento e tem que listar todos os contatos e suas informações e partir para a próxima etapa, que é o monitoramento de contato”, listou. Esse monitoramento, segundo Greice, é feito via celular, e-mail e whatsapp.
Diretor do Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Giovanny de França trouxe dados do e-SUS Notifica, um sistema online que também permite o monitoramento de contatos. Dos quase 129 mil registros monitorados neste ano, houve confirmação de Covid-19 em 5% dos casos. Outros 48% foram descartados e 43% apresentaram suspeita da doença.
O governo ainda apresentou a interação com outro aplicativo, o Conect-SUS Cidadão, onde é possível manter atualizada a carteira nacional de vacinação em três idiomas.
Compartilhamento
Organizador do debate, o deputado Odorico Monteiro (PSB-CE), cobrou maior compartilhamento desses sistemas dentro do próprio ministério e com outros desenvolvidos por municípios e estados. “Não ficou claro para mim como está o nível de integração das várias áreas do ministério porque a sensação que dá a entender é de que todo o desenho feito ainda é analógico”, criticou.
Monteiro também reclamou de Google e Apple por se recusarem a compartilhar as interfaces de programação de aplicativos (APIs) com estados e municípios. O deputado Alexandre Padilha (PT-SP) também se queixou da ausência de representantes das duas empresas na audiência. Monteiro e Padilha pretendem renovar o convite para Google e Apple debaterem o tema diretamente com representantes dos conselhos de secretários estaduais e municipais de saúde (Conass e Conasems).