Em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputados da oposição se manifestaram contra a possibilidade de o Ministério do Turismo editar decreto regulando a moderação de conteúdo em plataformas digitais. No entanto, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) defendeu a necessidade de garantir a liberdade de expressão nas mídias sociais e reclamou da exclusão de postagens e de usuários do Facebook.
Representantes das principais plataformas digitais - Google/Youtube, Facebook e Twitter - foram convidados a participar do debate, mas não compareceram. A audiência contou com a participação de representantes do Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br), de pesquisadores e de ativistas digitais.
A minuta do decreto, que regulamenta o Marco Civil da Internet, já está sob análise de outras pastas do governo. Entre outros pontos, estuda-se proibir a exclusão e suspensão de contas e conteúdos, salvo sob ordem judicial.
O deputado Carlos Veras (PT-PE), que solicitou a audiência pública, apelou para que o governo não publique o decreto. "A gente decidiu fazer esta audiência pública antes para sensibilizar o governo, para que não publiquem um decreto que, no lugar de resolver distorções, cause muito mais problemas, inclusive para a liberdade de expressão do povo brasileiro", clamou. Caso o Poder Executivo decida seguir com a regulamentação, Carlos Veras propôs revogá-la por meio de um projeto de decreto legislativo.
Liberdade de expressão
A deputada Carla Zambelli considera o decreto necessário porque, na sua opinião, as plataformas de internet não respeitam a liberdade de expressão e manifestação de pensamento garantida pelo Marco Civil da Internet. "As pessoas estão sofrendo sanções das plataformas sem análise judiciária. As plataformas estão praticamente sendo os juízes da decisão de conteúdo de internet hoje. Não podemos ser penalizados, para depois discutir nossa ampla defesa no Judiciário", denunciou.
Ela relatou que já teve 19 vídeos retirados do Facebook por ter citado o nome de um medicamento. "Não tinha nenhum tipo de crime, era só uma opinião", indignou-se. "A liberdade de expressão e pensamento tem que ser garantida. Se estiver violando uma lei, pode-se tirar um vídeo do ar. Salvo esses casos, as plataformas não poderiam tirar esses vídeos do ar."
Já a deputada Erika Kokay (PT-DF) defendeu limites para liberdade de expressão. "Negar a realidade e fazer com que narrativas mentirosas se transformem em fatos não pode ser permitido. Não se pode negar a própria ciência", ponderou. "Limites devem ser respeitados para que se assegure o debate democrático." Kokay também criticou a definição das regras para moderação de conteúdo por meio de decreto, o que considera autoritário.
A deputada Vivi Reis (Psol-PA) também disse estar preocupada com os efeitos do decreto na desinformação. "O governo é o grande propagandeador de notícias que fogem ao conhecimento científico, aos fatos reais", acusou. Vivi Reis ainda lançou suspeitas sobre as motivações do decreto, que para ela busca influenciar as eleições do ano que vem. "Esta movimentação já está visando 2022, uma eleição baseada em mentiras e notícias falsas. Isto é inaceitável."
Alcance
O coordenador do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Márcio Nobre Mignon, alertou para a necessidade de definir os termos com clareza na regulação do Marco Civil da Internet, que trata de provedores de aplicação e de conteúdo. Ele acredita que sites www, de jornais e outros tipos de provedores não seriam alcançados pelo decreto.
Já o diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), Demi Getschko, apontou para a importância de equilibrar liberdade com responsabilidade.
"Quanto maior a liberdade, maior a responsabilidade", ponderou. "Plataformas, como clubes, têm normas de conduta. Mas estas normas não podem se sobrepor à Constituição." Demi Getschko alertou para os problemas no uso de inteligência artificial na moderação de conteúdo das plataformas, que pode levar a erros na exclusão de usuários e postagens.
O pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), Jonas Valente, reconheceu a necessidade de regulação da moderação de conteúdo. "Muitas vezes os usuários ficam reféns de processos automatizados de moderação de conteúdo, que erram muito", comentou. No entanto, Jonas Valente avalia que essa regulação deveria ser pública e multissetorial, e não somente pelo governo. Ele alertou para a complexidade do tema. "Não se pode tratar um blog de um indivíduo como uma plataforma que tem dezenas de milhões de usuários", defendeu.
Vícios
A representante do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes) Flávia Lefèvre afirmou que é irracional exigir decisão judicial para remover qualquer conteúdo de provedores por causa da velocidade e quantidade de publicações nas principais plataformas. Ela também acusou o decreto de ter vícios de motivação e finalidade.
"O decreto foi proposto como reação à atuação das empresas de internet, que com base nos seus termos de uso têm removido conteúdos de informações reconhecidas como falsas e perigosas para saúde pública, no caso da Covid-19, promovidas por representantes do governo e seus apoiadores", criticou.
A diretora do Centro de Pesquisa em Direito e Tecnologia (InternetLab), Mariana Valente, alertou para o risco de o decreto prejudicar a gestão de plataformas comerciais. "Ao proibir a suspensão de contas sem ordem judicial, isso se aplica também a usuários de Uber que assedia motoristas, restaurantes do Ifood que servem comida estragada, para o vendedor do Mercado Livre que frauda vendas. O provedor perde a capacidade de aplicar regras que podem funcionar para garantir a confiança naquele espaço, e o usuário perde com isso."
A representante da Coalizão Direitos na Rede Raquel Saraiva disse que o decreto tornaria inviável a gestão de plataformas de conhecimento, como a Wikipedia. Raquel Saraiva também teme a disseminação do discurso de ódio e desinformação. "É importante regular moderação de conteúdo, mas decreto não é a via adequada", comentou. Ela defendeu a discussão das regras por meio do Projeto de Lei das Fakes News (PL 2630/20).