O valor de venda da refinaria da Petrobras de Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, foi questionado em audiência pública na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (1°). A refinaria foi vendida para o Grupo Mubadala – fundo financeiro de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes – pelo valor de US$ 1,6 bilhões.
Essa é uma das oito refinarias da Petrobras em processo de "desinvestimento", segundo Rafael Chaves Santos, gerente-executivo de Estratégia da estatal. Conforme ele, a venda segue diretriz do Estado brasileiro e foi aprovada em março pela diretoria-executiva e pelo conselho de administração da Petrobras.
Segundo ele, a avaliação é de que novos investidores trazem mais recursos para a empresa e para o País. Ele estima em 15 meses o tempo de transição para o novo comprador.
De acordo com o executivo, mais de R$ 9 bilhões serão investidos pelo novo grupo, com a garantia de preservação da refinaria no estado da Bahia e dos empregos, para os concursados que quiserem permanecer na Petrobras. O empregado que quiser sair pode aderir aos planos de desligamento ofertados.
Valor justo
O pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Eduardo Costa Pinto, frisou que a Petrobras inicialmente estimou o valor justo da refinaria em cerca de US$ 3 bilhões (em meados do ano passado), assim como o Ineep (em dezembro do ano passado).
Já a XP, em fevereiro deste ano, estimou o valor de venda em US$ 3,5 bilhões (o qual depois foi reduzido), e o BTG estimou o valor em US$ 2,5 bilhões.
Em março, o valor foi ajustado pela Petrobras para US$ 1,7 bilhão por conta dos impactos da pandemia de Covi-19. O Ineep considera equivocada a ideia de que a pandemia teria provocado profundas mudanças nos parâmetros.
"O preço de US$ 1,6 bilhão é, sim, muito abaixo do que a Rlam poderia ter sido vendida", avaliou. Para ele, a redução beneficia o comprador, porque vai aumentar a taxa de retorno. "Valor justo" significa o quanto o ativo vai render no futuro de receitas, ou seja, o retorno esperado da Rlam para o proprietário.
O pesquisador acrescentou que, com a venda, o monopólio estatal pode se transformar em monopólio privado regional. Eduardo ressaltou que, além da refinaria, o Grupo Mubadala está adquirindo um pacote logístico de dutos até os terminais de Jequié e Itabuna, e acesso para o escoamento ferroviário para produtos para o mercado de Minas Gerais.
Além disso, conforme Costa Pinto, o País poderá ter apagão de combustíveis, já que, com as privatizações, a estatal deixa de responder pela coordenação do abastecimento.
Processo no TCU
Secretário de Fiscalização de Infraestrutura de Petróleo e Gás Natural do Tribunal de Contas da União, Alexandre Carlos Leite de Figueiredo explicou que questões relacionadas ao preço de venda da refinaria ainda não foram analisadas no mérito pelo TCU.
O tribunal já definiu que não há necessidade de medida cautelar para o processo de venda da Rlam, mas segue a análise do mérito da adequação do preço. O Sindicato dos Petroleiros da Bahia protocolou denúncia no TCU afirmando que a alienação foi feita por um preço vil, pedindo a cautelar.
"Até o momento a unidade técnica não encontrou evidências que desabonem a metodologia de precificação aplicada pela Petrobras, por isso a indicação de não necessidade de medida cautelar, com uma avaliação de mérito ao final", explicou Figueiredo.
Ele destaca que o valor ofertado se encontra acima do estimado no cenário base da Petrobras na avaliação interna elaborada e acima ou dentro das avaliações externas.
Os trabalhos técnicos, segundo o secretário, encontram-se em fase final e serão levados ao Plenário do TCU para a decisão do mérito. Ele acrescentou que o fechamento do negócio está previsto apenas para novembro, e nesse intervalo qualquer manifestação do TCU ou Cade pode paralisar as negociações.
Análise do Congresso
Coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar avalia que a venda das refinarias é inconstitucional e ilegal. Conforme ele, para a privatização ocorrer deveria ter passado pela análise do Congresso Nacional, mas foi analisada "por apenas 29 pessoas".
Na visão dele, o monopólio regional privado vai levar ao aumento de preços do gás de cozinha, da gasolina e do diesel. "O investidor vai querer retorno do investimento, minimizando custos e maximizando lucros, e quem paga a conta é o cidadão", lamentou.
Para ele, a venda causa prejuízos não apenas à população, como aos municípios, aos estados, à própria Petrobras e à União. Ele salientou que os investimentos na estatal estão caindo, enquanto os ganhos dos acionistas estão aumentando.
Segundo ele, a iniciativa privada não constrói novas refinarias, gera menos empregos e de menor qualidade. "Querem entregar para a iniciativa privada mais de 50% da capacidade de refino do nosso País, alegando que vão aumentar a concorrência, e os preços baixarão. Esta é uma grande mentira", afirmou.
O deputado Joseildo Ramos (PT-BA) concorda que a venda da refinaria baiana deveria ter passado pela análise dos parlamentares. "A Rlam não é uma subsidiária, é uma filial, que faz parte da holding, e para ser vendida tem que passar pelo Parlamento", destacou.
O deputado Leo de Brito (PT-AC) criticou a entrega de empresas lucrativas para a iniciativa privada, "a preço de banana". Ele disse que tem a confiança de que o TCU vai ter rigor com a questão.
Responsabilização
Presidente da Associação Nacional dos Acionistas Minoritários da Petrobras, Mário Alberto Dal Zot disse que a Petrobras está trabalhando em prol de acionistas especulativos. Na visão dele, o momento não é de venda de refinarias, com poucas refinarias sendo vendidas no mundo, e a Rlam ainda é vendida por preço vil.
"Ela poderia estar sendo vendida por três vezes esse valor", disse, comparando com o valor de outras refinarias vendidas recentemente De acordo com ele, a entidade vai buscar a responsabilização dos gestores, dos conselheiros e até dos agentes fiscalizadores. "Está muito claro que teremos prejuízos no futuro", concluiu.
"Fica patente que há uma subavaliação", reiterou o diretor jurídico da Associação Engenheiros da Petrobras, Ricardo Moura de Albuquerque Maranhão. "Não estamos tratando apenas de uma refinaria com todos os ativos de logística, estamos tratando da venda de uma parcela expressiva, de 14% do mercado brasileiro, de combustível para um fundo estrangeiro, inclusive desrespeitando a Constituição", alertou. Na visão dele, não se pode abrir mão da soberania nacional em favor de acionistas estrangeiros.
Para Fernando Siqueira, da Federação Nacional das Associações de Aposentados, Pensionistas e Anistiados do Sistema Petrobrás e Petros, a venda da refinaria é um contrassenso. "É um injustificável contrassenso, pois a Petrobras tem a capacidade de refino da ordem de 2,5 milhões de barris por dia, e a produção já atinge 3 milhões de barris por dia. Em 2025, segundo o plano estratégico da Petrobras, será de 5,2 milhões de barris por dia", afirmou.
"Então o que nós teríamos que fazer é construir novas refinarias para dobrar a capacidade de refino, e não vender as refinarias da Petrobras a preço de banana", criticou. Assim, segundo Siqueira, o Brasil poderia exportar petróleo com valor agregado.
O debate foi proposto pelo deputado baiano Jorge Solla (PT), que não estava presente por questões de saúde. Também não havia deputados da base governista no evento.