Entidades de defesa das pessoas com deficiência classificaram de “perversa”, “contrarreforma” e “retrocesso” a proposta de emenda à Constituição (PEC 32/20, do Executivo) da reforma administrativa. No mesmo momento em que a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovava a admissibilidade da PEC, nesta terça-feira (25), o texto era discutido na Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência com foco nos impactos da reforma nos usuários de políticas públicas e nos próprios servidores com algum grau de deficiência. Dois representantes do governo federal foram convidados para o debate, mas não compareceram.
O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade) apontou riscos de descontinuidade de políticas públicas e precarização dos serviços oferecidos por órgãos federais, estaduais e municipais. Assistente social e com baixa visão, a conselheira do Conade Daiane Mantoanele afirmou que a proposta afronta a Lei Brasileira de Inclusão e a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoas com Deficiência, além de aprofundar o processo de precariedade do serviço público iniciado com as reformas da Previdência e trabalhista.
“São 30 anos de conquistas de direitos sociais e trabalhistas – como estabilidade, licença-prêmio, licença-capacitação e desenvolvimento profissional para atender ao público – colocados em xeque”, disse. É uma reforma muito perversa porque faz com que a gente não consiga ter um projeto de vida profissional, já que diminui-se a participação de servidores públicos nos cargos de chefia. Corre-se o risco de voltarmos ao ‘primeiro-damismo’, ao assistencialismo, ao ‘toma lá dá cá.’”
Críticas parecidas foram apresentadas pela Rede Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Rede-In), que engloba 16 entidades da sociedade civil. Na mesma linha, Liliane Moraes, do movimento Visibilidade dos Cegos do Brasil, acrescentou que a PEC ignora as especificidades das pessoas com deficiência, assim como, segundo ela, já vem ocorrendo em recentes instruções normativas de órgãos federais quanto às atividades presenciais e ao teletrabalho dos servidores em geral.
Acessibilidade
Liliane é cega e trabalha no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ela teme que a reforma administrativa aprofunde os atuais problemas de acessibilidade e de dinâmica interna dos órgãos públicos que já afetam a produtividade e a ascensão na carreira dos servidores com algum grau de deficiência.
Presidente da Associação Nacional do Ministério Público ligado a esse tema (Ampid), Maria Gugel apresentou outra preocupação quanto à PEC: o risco de discriminação nos testes de avaliação de desempenho do servidor com deficiência diante da falta de critérios objetivos.
“Ao escalonar diferentes tipos de vínculos, criam-se diferentes tipos de categorias de servidores e servidoras no âmbito da administração pública, o que fatalmente implicará a prestação dos serviços”, declarou. “A PEC dá uma ênfase muito grande ao vínculo de experiência com o que nomina de desempenho satisfatório sem dizer o significado desse item. ”
Ausência do governo
A comissão convidou dois representantes do governo para o debate: um do Ministério da Economia, que alegou compromissos; e outro do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ao qual está subordinada a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. O coordenador-geral da secretaria, José Chagas, chegou a confirmar presença, porém justificou, após o início da reunião virtual, ter tido imprevistos e não participou do encontro.
O deputado Alexandre Padilha (PT-SP), que comandava a reunião, não descarta a possibilidade de futura convocação de integrantes do Executivo.
“Uma ligação recebida com a audiência já iniciada. Quero repudiar porque não acredito que esse imprevisto possa ter sido percebido depois da audiência iniciada”, criticou. “Na minha opinião, existe uma ação orquestrada por parte dos representantes do governo convidados por meio de requerimento aprovado nesta comissão. Então, utilizaremos os instrumentos que temos, como por exemplo a convocação.”
Comissão especial
As entidades ligadas às pessoas com deficiência citaram o lema “nada sobre nós sem nós” para reclamar do avanço da PEC da reforma administrativa na CCJ sem ouvi-las. Elas esperam ampliar o debate e a “resistência” ao texto durante a tramitação da proposta na comissão especial que vai analisar o mérito do texto.
Na justificativa da PEC, o governo afirma que a reforma visa evitar colapsos no serviço e no orçamento públicos, além de trazer “mais agilidade e eficiência” aos órgãos da administração pública.
Entre outros pontos, a proposta do Executivo restringe a estabilidade no serviço público e cria cinco tipos de vínculos com o Estado. Pelo texto atual, as novas regras valerão apenas para os futuros servidores.