Ações coordenadas de prevenção de queimadas, combate ao desmatamento e manejo sustentável estão entre as sugestões apresentadas por cientistas e ambientalistas para frear a devastação do Cerrado. O tema foi debatido em audiência virtual da Comissão Externa da Câmara dos Deputados sobre Queimadas nos Biomas, nesta quinta-feira (20).
O segundo maior bioma do País ocupa quase 24% do território nacional (2 milhões de km²) e é considerado a savana mais biodiversa do planeta em fauna e flora. Também abriga as nascentes que alimentam as principais bacias hidrográficas do País. No entanto, apenas 8,2% de sua área é protegida por unidades de conservação, segundo dados do ICMBio.
De 2000 a 2019, foi o bioma mais afetado por queimadas, com focos de fogo em 41% de sua área, de acordo com o Mapbiomas. Em março deste ano, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) emitiu alertas de desmatamento para uma área de 529,3 km² de Cerrado, 146% a mais do que no mesmo período de 2020.
Bióloga e doutora em geobotânica, a professora da Universidade de Brasília (UnB) Mercedes Bustamante apresentou o diagnóstico das queimadas no bioma. “O Cerrado é um bioma que evoluiu com o fogo. No entanto, a presença humana tem modificado três aspectos que são centrais para o fogo: o clima; a quantidade de material combustível, quando se maneja e transforma a vegetação; e as fontes de ignição, que agora já não são apenas as fontes naturais, são as fontes humanas também", explicou.
Ela acredita que já existem condições para implantação de um sistema de alerta e controle de queimadas no Cerrado. "O que a gente precisa é de vontade política para minimamente estruturar esse sistema”, completou. Os estudos de Bustamante e de outros pesquisadores mostram correlação entre desmatamento e queimadas no Cerrado. Também geram mapas de probabilidade de fogo para melhor orientar as ações preventivas. Queimadas sucessivas têm dificultado e até impedido a regeneração da vegetação, apesar da resiliência do bioma. Bustamante defende manejos diferenciados para as áreas de campos, savanas e florestas do Cerrado.
Doutora em ecologia, a professora da Universidade Estadual Paulista (UNESP) Alessandra Fidelis defendeu o manejo integrado do fogo. Esse também é o tema do Projeto de Lei 11276/18, considerado prioritário pela comissão externa da Câmara
Ações preventivas
Ligada ao Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Maria do Socorro Lima coordena a Rede Cerrado, vive no interior do Tocantins e pediu a retomada das ações preventivas junto às comunidades tradicionais. Ele elogiou iniciativas como o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), do Ibama. "Aquilo foi muito bom, mas não teve continuidade porque vieram os grandes investimentos das empresas e dos fazendeiros", lamentou.
Maria do Socorro, que vive em um assentamento, reclama da falta de estrutura para combater as queimadas. "Tem época que é fogo que vem não sei de onde e, se a chuva demorar a voltar, aí são três meses de queimada. A gente fica rezando, porque não tem brigadista ou bombeiro para apagar esse fogo”, relatou.
Os dados do Inpe e do Mapbiomas mostram concentração dos atuais focos de desmatamento e queimadas no chamado MATOPIBA, área de expansão agropecuária sobre o Cerrado de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Organizador do debate, o deputado Professor Israel Batista (PV-DF) defendeu a aprovação do Projeto de Lei 4933/20, que altera o Código Florestal para proibir atividades econômicas em áreas queimadas até a plena recomposição da vegetação.
Ele também cobrou a votação da chamada PEC do Cerrado e da Caatinga (PEC 504/10), que reconhece os dois biomas como patrimônios nacionais a fim de ampliar seus instrumentos de proteção ambiental. Mas o deputado também sugeriu ampla revisão do atual modelo de exploração econômica do Cerrado, com maior valorização da biodiversidade nativa.
“Vejo que estamos perdendo dinheiro porque hoje preservação da natureza, proteção da biodiversidade e foco na catalogação das espécies deveria ser a nossa prioridade", defendeu. Ele criticou ainda o foco do setor produtivo no plantio da soja. "Um punhado de baru vendido no mercado parisiense tem o mesmo preço de uma tonelada de soja e distribui renda", exemplificou.
O debate na comissão externa da Câmara ainda reuniu ambientalistas da Fundação Mais Cerrado e da Rede contra Fogo. Essa última foi criada em 2017 durante o grave incêndio que atingiu o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Eles denunciaram o sucateamento dos órgãos ambientais federais, cobraram maior ação preventiva das secretarias estaduais de meio ambiente e pediram apoio à rede nacional de brigadistas voluntários.