Debatedores criticaram a inclusão da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) no Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República por meio de decreto (10.354/20). O assunto foi discutido em audiência pública das comissões de Cultura; de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; e de Educação da Câmara dos Deputados, nesta sexta-feira (14).
A empresa pública é responsável, por exemplo, pela TV Brasil, pela Agência Brasil e pela Rádio Nacional, entre outros veículos.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que pediu o debate, lembrou que a Constituição prevê a existência dos sistemas público, privado e estatal de comunicação. "Não há como se alterar perfil jurídico e determinar a inexistência da EBC sem alterar a Constituição", afirmou. Ela acrescentou que todos os países democráticos têm sistema de comunicação pública, que seria fundamental para abordar conceitos e pautas como diversidade e inclusão social, não priorizados por veículos privados.
Erika Kokay (PT-DF), outra deputada que pediu a audiência, frisou que a EBC foi criada por lei (11.652/08) e não pode ser extinta por decreto. Para ela, o governo não quer a discussão do tema pelo Poder Legislativo.
Também autora do requerimento para o debate, a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) disse que funcionários denunciam censura e aparelhamento na empresa. Já a deputada Luiza Erundina (Psol-SP) quer ativar uma frente parlamentar em defesa da comunicação pública e em defesa da EBC, com participação popular.
Ganho de eficiência
O secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Vítor Menezes, garantiu que não há decisão tomada em relação à desestatização. "Estamos realmente elaborando estudos para entender qual o melhor cenário para a companhia", afirmou.
Ele explicou que, por meio do programa de parcerias, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ( BNDES) contrata consultoria para avaliar opções de parceria com a iniciativa privada e propor ganhos de eficiência para a empresa.
Conforme Menezes, a empresa custa R$ 88,5 milhões mensais para o governo, além dos R$ 222 milhões da Contribuição do Fomento da Radiodifusão destinados para a companhia. "A companhia tem imóveis que não estão em uso em Brasília, e uma das conclusões do estudo pode ser pela venda desses imóveis", exemplificou.
Segundo ele, a ideia é garantir a viabilidade econômica da EBC. "Somente a partir desses estudos a gente vai ter uma visão do que fazer. Não vejo extinção da EBC em curto prazo, não é isso que estamos buscando, não é o que o ministro [das Comunicações] Fábio Faria deseja", completou.
Cobertura e audiência
O diretor-geral da EBC, Roni Baksys, destacou que a TV Brasil é a nona emissora mais assistida entre todas as TVs brasileiras e que a Agência Brasil tem 9,19 milhões de usuários por mês. Ele acrescentou que a EBC tem o maior sistema de cobertura nacional de rádio, com 14 rádios mais afiliadas.
Conforme ele, a empresa tem 58 imóveis, com apenas 24 em uso, e o restante gera despesas e deve ser colocado para a venda ou ser devolvido para a União.
Ele reiterou que não há nada encaminhado para a desestatização da empresa, mas acredita que o aprimoramento da gestão pode reduzir o gasto público com a EBC. E garantiu que não há proselitismo religioso ou político nem cerceamento de informação nos veículos da empresa, que buscaria neutralidade.
Riscos democráticos
Para Jandira Feghali, a EBC não precisa ser incluída no programa de desestatização para haver aprimoramento da gestão.
"É certo que a EBC corre riscos se está incluída no programa de desestatização", avaliou a ex-presidente da EBC, Tereza Cruvinel. Os riscos, na visão dela, seriam privatização, extinção ou esquartejamento, por meio da venda de ativo - e qualquer alternativa traz prejuízos à empresa e riscos à democracia.
Cruvinel disse que a empresa começou a ser "golpeada" durante o governo Michel Temer, que extinguiu o conselho curador da EBC, que representava a sociedade civil.
No governo Jair Bolsonaro, na avaliação da jornalista, a empresa continua a ser desfigurada, por exemplo, com a fusão do canal de televisão governamental (NBR) com a TV Brasil, de natureza pública.
Ela observou ainda que o investimento feito pelo País com a radiodifusão pública é baixo em comparação a outros países do mundo, como Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos.
A presidente da Comissão de Cultura, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), que também assinou o pedido para realização da audiência, defendeu que qualquer venda de ativos seja direcionada para investimento na própria EBC. Ela destacou que a TV e Rádio Amazônia, que fazem parte da EBC, são importantes elementos de integração nacional.
Visão dos empregados
Representante do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, Jonas Valente ressaltou que a existência de uma comunicação pública, com autonomia e independência editorial, é recomendação de organismos internacionais, como Unesco e Organização dos Estados Americanos (OEA). "Na verdade, o que precisamos fazer não é extinguir a empresa, mas fortalecê-la", disse.
Ele observou que um dos problemas atuais da empresa é a falta de autonomia em relação ao governo, o que contraria a legislação.
Conforme Valente, pela Lei 11.652/08, os serviços de radiodifusão pública somente podem ser prestados pela EBC, não podendo ser repassado a entes privados. Qualquer decisão nesse sentido teria que passar por análise do Legislativo.
Ele reiterou ainda que o sistema público não foi criado para dar lucro e que o governo não comprovou que teria economia ao demitir empregados da EBC e contratar serviço privado.
Representante da Comissão de Empregados da EBC, Akemi Nitahara reiterou que há censura e direcionamento de conteúdos pelo governo e que os veículos vêm sendo utilizados para a promoção pessoal do presidente da República. Porém, segundo ela, os veículos da EBC continuam sendo espaço de divulgação de produção de artistas e produtores independentes, além de a TV Brasil ser a principal grade de programação infantil e maior exibidora do cinema nacional na TV aberta.
Participação da sociedade civil
Representante da Frente em Defesa da EBC, o cineasta Joel Zito, que integrou o conselho curador da empresa, reclamou que a sociedade civil não participa mais da EBC e criticou a exclusão de apresentadores negros e de programas voltados para a população negra da grade da TV Brasil.