A Comissão Externa da Câmara dos Deputados sobre Queimadas nos Biomas Brasileiros ouviu nesta quinta-feira (13) de cientistas e entidades socioambientais nordestinas um triste diagnóstico sobre o desmatamento e os incêndios florestais na Caatinga.
O único bioma exclusivamente brasileiro ocupa 11% do território nacional (850 mil km²), sobretudo no Nordeste do país e no norte de Minas Gerais. Mesmo debaixo de clima semiárido, abriga rica biodiversidade e é considerado uma das mais importantes áreas secas do planeta.
Porém, o desmatamento crônico, a ocupação desordenada e as práticas econômicas pouco sustentáveis agravam o quadro socioambiental nas áreas de Caatinga, segundo avaliação da professora do departamento de biologia da Universidade Federal do Ceará, Francisca de Araújo.
“São desmatamentos ilegais e a forma como a terra vem sendo usada secularmente não é sustentável. Passamos por seis anos de seca e, neste ano, a precipitação no Ceará já está abaixo da média. Então, não temos água e não podemos ter uma economia baseada na dependência de água", disse.
Na opinião dela, estamos vivendo uma crise climática antropogênica, ou seja, causada pelo homem. "A consequência desse processo histórico de uso inadequado da terra e incompatível com a situação climática é o êxodo rural”, disse a pesquisadora.
Monitoramento
Recentemente, a Caatinga ganhou um sistema de monitoramento de desmatamento e queimada (SAD-Caatinga) por meio de parceria do Mapbiomas com a Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia. O cruzamento de dados revela 105.179 km² de área queimada na Caatinga entre 2000 e 2019, com média anual de 5,2 mil km².
Coordenador do sistema, o geólogo e professor do Programa de Pós-Graduação em Modelagem em Ciências da Terra e do Ambiente, Washington Franca Rocha, informou que 80,2% dos focos de incêndio estão nas formações savânicas da Caatinga, perto de áreas de Cerrado, sobretudo na região do Matopiba, uma área de expansão agropecuária entre o Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Ao contrário das extensas áreas de incêndio florestal da Amazônia e do Pantanal, as queimadas na Caatinga se caracterizam por pequenos focos de fogo, mas em grande quantidade. A partir da instalação do sistema de monitoramento, os alertas de desmatamento no bioma subiram de 538 (12,1 mil hectares) em 2019 para 4.272 (61,3 mil hectares) no ano passado.
No limite
A Bahia lidera a devastação, inclusive em áreas próximas ao Parque Nacional da Chapada Diamantina. Representante da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Pedro Paulo de Carvalho apontou a preocupação com os efeitos das mudanças climáticas no bioma.
“O Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite da Universidade Federal de Alagoas, a UFAL, levantou que o semiárido já tem 13% de toda a sua área em processo de desertificação. Nós já estamos no limite do índice de aridez”, observou.
O deputado Merlong Solano (PT-PI) levou a própria experiência de vida na Caatinga.
“Os incêndios descontrolados acontecem sobretudo no segundo semestre de cada ano, especialmente nas épocas de seca mais acentuada em que há a combinação de material combustível disponível com umidade muito baixa, muito calor e muito vento”, disse.
PEC da Caatinga
Entre as sugestões de deputados e especialistas no enfrentamento desses problemas na Caatinga, estão a recuperação de áreas degradadas e a ampliação das brigadas contra incêndios. Eles defenderam ainda políticas públicas de incentivo à exploração sustentável do bioma, como manejo sustentável de madeira para lenha e campanhas de esclarecimento quanto à agricultura familiar.
Ações contra a pobreza, a violência e o tráfico de drogas crescentes na região também foram citadas. Dentre as propostas legislativas, houve apoio à transformação da Caatinga e do Cerrado em patrimônios nacionais (PEC 504/10). Esse texto altera a Constituição e está pronto para votação no Plenário da Câmara, mas enfrenta resistências da bancada do agronegócio.
A coordenadora da comissão, deputada Professora Rosa Neide (PT-MT), lamentou a ausência de representantes do Ibama na série de audiências do colegiado sobre o diagnóstico das queimadas nos biomas brasileiros.
“O Ibama foi convidado nas últimas três reuniões, mas não compareceu nem fez contato com a comissão. Entendemos que o Ibama tem sofrido desgaste neste governo: um órgão desestruturado e deixado, muitas vezes, sem a disponibilidade para o trabalho. Entretanto, a gente vai sempre reforçar o convite diante da importância do Ibama para as questões ambientais do Brasil”, afirmou.
Na série de diagnósticos sobre as queimadas, a comissão já havia debatido a situação da Amazônia e do Pantanal. A próxima reunião será sobre o Cerrado.