Os deputados da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados questionaram, nesta quarta-feira (12), o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, sobre a possibilidade de leitos ociosos de hospitais das Forças Armadas serem direcionados para o tratamento de pacientes do Sistema Único de Saúde com Covid-19. Braga Netto, no entanto, também teve de responder a perguntas sobre compras de carnes nobres e bebidas alcóolicas em licitações das Forças Armadas.
O ministro anunciou que recomendou o corte de compras de bebidas alcoólicas. "Em relação à bebida, fizemos uma recomendação para que isso fosse evitado. Não vou comentar situações que ocorreram no passado. Agora temos confraternizações, o pessoal vai para uma atividade estressante, quando eles voltavam era feita uma confraternização. Hoje em dia isso é feito com a contribuição de cada um", explicou.
O presidente da comissão, deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), parabenizou Braga Netto pela medida. O deputado lembrou que apresentou o Projeto de Lei 1736/21 para proibir a aquisição de bebidas alcoólicas com recursos públicos. Na proposta, a proibição seria aplicada para compras feitas pela administração pública direta e indireta de todos os níveis, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Segundo informações do Ministério da Defesa, bebidas alcóolicas foram consumidas em 2.948 eventos em 2020, com média de mil pessoas por evento.
Carnes e bebidas
O deputado Elias Vaz (PSB-GO), um dos autores do requerimento de convocação do ministro, denunciou indícios de superfaturamento e conluio em processos licitatórios para aquisição de alimentos nas Forças Armadas. "O que causa estranheza é processo de compra de filé, bacalhau, salmão e picanha no momento em que estamos vivendo no País. Não entra na minha cabeça evento festivo em plena pandemia. Isso tem que ser apurado", disse.
Braga Netto explicou que o Ministério da Defesa já recomenda evitar qualquer tipo de compra supérflua, não apenas durante a pandemia. "Não há ostentação. Não há gastos exorbitantes. Tudo o que foi feito fora da legislação será investigado, provavelmente já está sendo investigado", garantiu.
O ministro argumentou que o processo de aquisições é transparente; que muitos dos gastos denunciados não foram efetivados; que a alimentação de militares tem de levar em conta a atividade física intensa; e que os gastos com alimentação das Forças Armadas são inferiores aos de servidores civis e de outros poderes. Ele ainda observou que as despesas com alimentação têm permanecido no mesmo patamar nos últimos anos, apesar da inflação de 14% em 2019 e 2020.
O deputado Hélio Lopes (PSL-RJ) observou que o número de eventos relatados pelo Ministério da Defesa não seria excessivo tendo em conta que o País tem 1,6 mil organizações militares. No seu cálculo, cada organização militar teria realizado em média 1,9 evento por ano. "Tem Sete de Setembro e outras ocasiões", exemplificou. "Nós militares temos compromisso com o recurso público. Eu me senti em casa vendo os militares tão capazes, respondendo àquilo que a sociedade tinha dúvida e agora não tem mais."
Leitos de UTI
O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), outro autor do pedido de convocação, apontou contradições entre os números de leitos vazios em hospitais militares apresentados na comissão e aqueles encaminhados ao Tribunal de Contas da União (TCU). "Os números apresentados aqui nesta comissão não correspondem à planilha que foi apresentada ao TCU. Eu pergunto qual dado que está correto, tendo em vista que tanto apresentar dados falsos para o TCU quanto para comissão parlamentar se enquadram como crime de responsabilidade", alertou.
De acordo com as informações apresentadas pelo Ministério da Defesa na reunião, o sistema de saúde militar tinha 210 leitos de UTI em 2020 e passou para 395 em 2021. O aumento inclui 145 leitos emergenciais.
O ministro da Defesa explicou que havia uma diferença entre leitos ociosos e vagos, e que o sistema de saúde militar já estaria funcionando com ocupação superior à capacidade. "Vagos não significam disponíveis para empréstimos. Este é um jogo de palavras", afirmou.
Dados do Ministério da Defesa apresentados na reunião destacaram problemas no atendimento à saúde de militares. Segundo o ministério, quase 35% dos contribuintes da saúde militar são idosos e mais vulneráveis à Covid-19, um índice superior à população em geral, que tem 14,4 % de cidadãos acima de 60 anos.
Ainda segundo Braga Netto, os militares da ativa têm maior risco de contaminação por estarem envolvidos no combate à pandemia. De acordo com o ministério, 54.791 militares da ativa foram contaminados, quase 16% de todo o efetivo, em um índice superior ao da população brasileira, que está em torno de 7%. Entre os militares da ativa, 113 morreram. Trata-se da maior perda de militares da ativa desde a Segunda Guerra Mundial.
Problemas legais
Braga Netto também apontou problemas legais para integração de hospitais militares no Sistema Único de Saúde. Ele lembrou que a gestão do SUS é compartilhada pelo governo federal com estados e municípios. "As Forças Armadas não podem assumir para dar apoio a não ser por solicitação do próprio estado ou município. Teria que se abrir uma intervenção federal na saúde, para se colocar um interventor. Teria um problema legal." Braga Netto foi interventor da Segurança Pública do Rio de Janeiro em 2018.
O ministro ainda observou que os hospitais militares operam com contribuições dos militares na folha de pagamento, e se constituem de saúde suplementar pelo vínculo funcional, semelhante a de outros agentes públicos. "Nosso sistema alivia e desonera a pressão do SUS. Quando não temos capacidade, encaminhamos nosso pessoal para entidades pagas."
O líder do PSL, deputado Vitor Hugo (GO), alertou que a destinação de leitos de hospitais militares ao SUS poderia comprometer a capacidade operacional das Forças Armadas e causar um impacto no próprio combate às pandemia. "Ouvi muitos órgãos de imprensa tratando esta questão de maneira irresponsável, desconsiderando as peculiaridades das Forças Armadas e as diferenças entre leito ocioso ou vago", queixou-se. "As Forças sofreram nas mesmas proporções em contaminação e óbitos do que população. O governo tem feito o combate à pandemia de maneira muito eficaz", afirmou.
Protocolos
Os deputados Léo de Brito (PT-AC) e Padre João (PT-MG) questionaram se, considerando o alto índice de contaminação, as Forças Armadas haviam seguido as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para prevenir a doença. "Ou seguiram a orientação do presidente, que não usa máscara, nega a vacina e combate aqueles que seguem a ciência?", perguntou Léo de Brito.
Braga Netto explicou que todos os quartéis adotam na entrada o controle de checagem da temperatura, e o uso de máscaras é obrigatório em aviões da Aeronáutica. "Existem protocolos e são utilizados diariamente, o que não impede a contaminação."
O deputado Hildo Rocha (MDB-MA) disse estar satisfeito com a presença do ministro na comissão. "O comparecimento foi muito bom. Explicou com bastante precisão a importância do sistema de saúde militar, seu funcionamento e seu custeio."
Convocação
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) lamentou a vinda do ministro da Defesa à comissão por meio de convocação, e não por convite. "O presidente Áureo foi desrespeitado em suas prerrogativas. A base do governo se ausentou, cochilou. Criou um embaraço ainda maior", comentou.
O deputado General Girão (PSL-RN) também lamentou que o ministro tenha sido convocado. "Isso foi uma deselegância. As Forças Armadas estão sim presentes no território nacional, trabalhando permanentemente e precisam ter uma retaguarda de saúde. Os governos federais anteriores não se preocuparam com mais leitos de UTI e respiradores e agora querem colocar a conta toda nas Forças Armadas? Por que um presidente em vez de construir leitos de UTI construiu estádios?", questionou.
Gestão Pazuello
Aureo Ribeiro e outros deputados de oposição também usaram a reunião para fazer críticas à gestão do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. "Se o presidente da República tivesse me perguntado, eu teria sugerido para nomear o general Braga Netto como ministro da Saúde, porque eu saberia que o Brasil estaria em boas condições. O general Pazuello prestou um desserviço."
O deputado Sanderson (PSL-RS), no entanto, defendeu a gestão de Pazuello. "O general Pazuello fez sim um belo trabalho à frente do Ministério da Saúde, todas as decisões ouviram os setores técnicos. Imputar eventuais equívocos é injusto."