Parlamentares da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados defenderam a votação urgente de propostas que vão permitir a licença compulsória de vacinas e medicamentos contra a Covid-19. A comissão realizou audiência pública nesta quinta-feira (29) para discutir as vantagens, consequências e meios de obter essa licença.
Os debatedores observaram que, atualmente, a Lei de Propriedade Industrial já permite a licença compulsória por um simples ato do Poder Executivo. No entanto, a maioria concordou que mudanças na legislação poderiam facilitar o processo, que se tornaria mais rápido e menos burocrático.
No Senado, foi aprovada nesta quinta-feira o Projeto de Lei 12/21, que permite a suspensão de patentes para tratamento da pandemia de coronavírus. A proposta deverá ser discutida na Câmara com outros projetos que foram apresentados por deputados – o PL 1184/20, de Jandira Feghali (PCdoB-RJ); o PL 1462/20, de Alexandre Padilha (PT-SP); o PL 329/21, de Heitor Freire (PSL-CE); o PL 1247/21, de Aécio Neves (PSDB-MG); e o PL 1314/21, de Danilo Cabral (PSB-PE).
Atraso
O deputado Alexandre Padilha afirmou que o País não pode depender da vontade do Executivo para emitir licenças compulsórias em situações de emergência pública. "Mesmo com toda pressa, demora para iniciar a produção", comentou.
Já o deputado Pedro Westphalen (PP-RS) mostrou preocupação com a capacidade de produção de vacinas e medicamentos que tiverem licença compulsória. "Vejo que são instrumentos importantes para nosso desenvolvimento e a exploração dos nossos potenciais."
A deputada Jandira Feghali afirmou que o Congresso está atrasado na discussão sobre a capacidade de inovação e produção de insumos e equipamentos para saúde. "Estamos perdendo muitas vidas com a dependência de tecnologia", lamentou. "A gente depende da importação de luvas, máscaras e equipamentos de proteção individual."
A deputada Vivi Reis (Psol-PA), que solicitou a audiência pública junto com Jandira Feghali, lamentou os cortes em recursos públicos para universidades federais e para ciência. "A indústria farmacêutica recebeu quase 100 bilhões de euros de recursos públicos", observou. "Devemos reverter o conhecimento produzido na pandemia para o bem comum. A quebra de patentes deve garantir celeridade e menor custo de produção de vacinas e medicamentos."
Já o deputado Dr. Zacharias Calil (DEM-GO) denunciou o "aumento assustador" no preço de remédios durante a pandemia. "Muitas unidades de saúde estão com um apagão de medicamentos", alertou. "Estão diminuindo o volume de medicamentos para atender a todos. Somos um país pobre, não temos vacina para todo mundo. Trata-se de uma questão humanitária. É momento de tomar medidas objetivas."
Prazo
Os deputados demonstraram interesse em conhecer o prazo em que a licença compulsória poderia beneficiar a população. O coordenador da Campanha de Acesso a Medicamentos da organização Médicos Sem Fronteiras, Felipe Carvalho, afirmou que alguns medicamentos para tratamento da Covid-19 já têm versões genéricas sendo produzidas ou licenciadas em outros países.
Carvalho explicou, no entanto, que o Brasil não pode comprá-los por causa de sua posição sobre as patentes. Segundo ele, a fabricação de algumas vacinas poderia ser iniciada em até quatro meses depois do licenciamento. "Não é um tipo de fábrica tão complexa", disse. "Para algumas tecnologias, há capacidade de produção nacional."
A professora de Direito Comercial Paula Forgioni, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), ponderou que não é necessário comprovar a capacidade de produção para licença compulsória. "É fato incontestável que as farmacêuticas não estão dando conta da demanda por vacinação. Com a patente, sobe o preço e diminui a produção da vacina."
Testes
O consultor da organização Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas Francisco Viegas Neves da Silva lembrou que a população brasileira foi testada para que as empresas desenvolvessem as vacinas. "Houve um risco que os brasileiros assumiram de contribuir com a ciência. Nada mais justo do que tenha acesso a essas tecnologias", defendeu.
Ele lembrou que países como o Canadá e a Alemanha reformaram as leis de patentes para permitir licença compulsória para o tratamento da Covid-19. "A licença compulsória tem processo burocrático e não é adaptada para a pandemia. Precisamos ter marco normativo para tratar emergências de saúde pública. Medicamentos novos podem salvar milhares de vidas, mas terão preços mais altos e produção limitada se nenhuma ação for tomada."
O pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz Jorge Bermudez defendeu a aprovação dos projetos que suspendem temporariamente as patentes contra Covid-19. Ele destacou que as propostas não acabam com as patentes e têm respaldo jurídico. "Temos mais de 2 mil solicitações de patentes contra Covid-19", informou.
O representante da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids Pedro Villardi também apoiou a votação das propostas. "As patentes geram problema de acesso a tratamentos. As soluções propostas pela indústria farmacêutica não têm funcionado. Isto é sobre ganância, sobre preservar mercados e lucros à custa de vidas."
O presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos, Ronald dos Santos, também questionou a posição da indústria farmacêutica e lamentou a falta de capacidade de produção dos laboratórios nacionais. "A licença não voluntária garante a defesa da vida. A lógica da atividade econômica espalha a morte", declarou.
Inovação
Contrário às mudanças na legislação, o vice-presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), Gabriel Leonardos, afirmou que a proteção das patentes é do interesse nacional e uma condição necessária para inovação.
Ele defendeu o uso ponderado e pontual da licença compulsória, de acordo com a legislação atual que inclui casos de emergência nacional e interesse público. "Se o governo brasileiro quiser, pode colocar licença compulsória em uma hora. Ninguém vai negar que estamos em caso de extrema urgência."