A meteorologia traz prognósticos de nova temporada de seca severa no Pantanal, com risco de repetição dos estragos de 2020, quando 4,5 milhões de hectares do bioma (29% de sua área) foram atingidos pelo fogo. O alerta partiu da pesquisadora Balbina Soriano, da Embrapa Pantanal, com base em dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Soriano participou nesta quinta-feira (29) de audiência pública da comissão externa da Câmara dos Deputados sobre o tema. Indígenas, quilombolas e ribeirinhos manifestaram preocupação sobre novos impactos socioambientais sem ainda terem se livrado dos prejuízos do ano passado.
“Já estamos entrando no período seco. Mais para a frente, teremos o mês em que o Pantanal queima mais, que é setembro”, afirmou Balbina. Desde o ano passado, viemos com chuva abaixo da média: choveu um pouquinho em dezembro de 2020, em janeiro de 2021 e agora já começou a estiar novamente”.
A Embrapa desenvolveu um sistema de alerta de risco para incêndio no Pantanal (Saripan) baseado em dados climáticos, como quantidade de chuva, velocidade do vento e umidade relativa do ar. No entanto, a pesquisadora revelou que a medição tem sido prejudicada pela falta de manutenção em algumas estações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e também do Serviço Geológico do Brasil CPRM, responsável pela medida do nível dos rios.
Com os dados disponíveis, Balbina Soriano apontou risco de aumento da devastação no Pantanal diante da possibilidade de queimadas em áreas preservadas do fogo no ano passado. “Sub-regiões como Miranda, Aquidauana e Porto Murtinho queimaram muito em 2019, não queimaram em 2020 e, se a gente tiver essa condição de seca em 2021, é bem provável que possam queimar novamente”, disse.
Para a coordenadora da Comissão Externa sobre Queimadas nos Biomas, deputada Professora Rosa Neide (PT-MT), a baixa cobertura do Pantanal por estações meteorológicas e de nível de rios é grave e precisa de rápida solução. “Não podemos ficar sem esses dados no momento em que estamos saindo de uma situação traumática, que foram os incêndios, e entrando em um período de seca prolongada”, afirmou.
Relatos
Rosa Neide também anunciou que o colegiado vai cobrar formalmente da Funai, da Fundação Palmares e dos governos do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul informações sobre as providências adotadas para amparar as comunidades tradicionais prejudicadas pelas queimadas de 2020. A decisão foi tomada depois de ouvir relatos como o de João Bispo, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Bispo reclamou de falta de assistência da Fundação Palmares, dos garimpos que deixam assoreados os rios da região de Poconé, em Mato Grosso, e das perdas com o cultivo da castanha de baru, também conhecida como cumbaru.
“Nós perdemos todos os cumbarus. Para vocês terem uma ideia, no meu quilombo, devia ter mais de mil pés de cumbaru, cada pé dá de três a quatro sacos. Imaginem o quanto de dinheiro que estamos perdendo”, destacou. “O rio Bento Gomes, que dá água a Poconé, está seco: são mais de 40 afluentes. O garimpo está acabando com tudo.”
Eliane Xunakalo, da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso, e o professor Valdevino Terena também relataram apreensão e pediram providências urgentes.
"Enxurrada de falácias"
Cláudia Pinho coordena a Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras e contou que o período chuvoso está indo embora sem recuperar a vegetação nativa. A chuva reduzida na região só teria servido para levar as cinzas da vegetação do ano passado para dentro dos rios, prejudicando as atividades de pesca. Ela cobrou políticas públicas, tecnologias sociais e respeito com as comunidades tradicionais.
“A gente teve uma enxurrada de falácias de que os povos e as comunidades tradicionais eram os responsáveis pelas queimadas no Pantanal. E há fatos, cada vez mais evidentes e comprovados, de que nós não colocamos fogo”, disse. “Estamos aqui para manejar o bioma e colaborar com a manutenção dele porque o Pantanal é a nossa casa.”
Inquérito
Em recente audiência da comissão externa, o chefe da divisão de repressão a crimes ambientais da Polícia Federal, Rubens Lopes da Silva, informou que as queimadas descontroladas de 2020 tiveram origem em quatro fazendas do Mato Grosso do Sul. O inquérito, que corre em segredo de Justiça, se valeu de mensagens de celulares e imagens da agência espacial dos Estados Unidos, a Nasa.
A fim de ampliar a proteção do bioma, a Embrapa Pantanal sugeriu a definição de um calendário com campanhas educativas, planos de queima prescrita e a retomada do projeto “Alô Pantanal”, com a difusão de informações, alertas e dicas via rádio para comunidades distantes sem sinal de celular.