Em audiência na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Caio Paes de Andrade, afirmou que a reforma administrativa (PEC 32/20) é “a mais importante transformação que o Estado brasileiro precisa realizar”. Ele disse que a reforma vai ajudar no resgate da autoestima do servidor público e trará mais eficiência à administração.
Especialistas que também participaram da audiência nesta segunda-feira (26) criticaram, no entanto, pontos como o fim da estabilidade para alguns cargos, a criação do vínculo de experiência e a ampliação dos poderes do presidente da República.
O representante do governo ressaltou que os atuais servidores não terão seus direitos afetados e que a ideia é criar uma administração mais moderna e eficiente. Como exemplo do que considera “distorções” do atual sistema, Caio Paes de Andrade citou 69 mil servidores do Executivo federal que estão em funções consideradas extintas.
Para o secretário do Ministério da Economia, no futuro próximo, o Estado estará “funcionando quase como um ente totalmente digital”, com “a burocracia desnecessária sendo derrotada”. Nessa ideia, os servidores públicos estariam mais bem preparados, segundo ele, e exerceriam cargos mais intelectuais e criativos.
De acordo com Paes de Andrade, a proposta vai mudar a visão que a sociedade tem do servidor, e melhorar a autoestima do próprio trabalhador.
“Um ponto importante da PEC é permitir o resgate da autoestima do servidor público. Hoje, uma grande parte da população tem uma imagem distorcida dos servidores públicos. Eu também tinha antes de vir para cá. O estereótipo é de que servidores públicos trabalham pouco, que vivem em um mundo paralelo, que são egoístas e que não pensam no Brasil. Isso é uma generalização. É como dizer que empresários são predadores, porque alguns abusam dos limites”, disse Paes de Andrade.
Por outro lado, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), Vicente Braga, lembrou que a proposta, em alguns pontos, atinge os atuais servidores, como a parte que trata da dedicação exclusiva dos servidores, e proíbe que servidores tenham qualquer outra atividade remunerada, mesmo que sem relação com o serviço público. A exceção é para o ensino e atividades de profissional de saúde.
Braga também considerou “um grande retrocesso” a previsão de um vínculo de experiência, após a aprovação em prova de concurso, com duração mínima de um ano para cargos que não sejam típicos de Estado, e dois anos para os típicos de Estado, para determinar a classificação final e os aprovados no concurso público.
Segundo Braga, um aprovado em concurso, cumprindo vínculo de experiência, não teria condições de praticar atos estratégicos de carreiras típicas de Estado.
O procurador também criticou as mudanças previstas na estabilidade do servidor, que pelo texto fica restrita a servidores ocupantes de cargos típicos de Estado, cumpridos o vínculo de experiência e mais um ano no cargo.
“Não se pode falar em Estado Democrático de Direito com instituição fragilizada. Não se pode admitir que se utilize o discurso de que a estabilidade é utilizada como um escudo para o servidor público. Ela não é um escudo para o servidor público. Ela é um escudo para o cargo daquele servidor, para blindá-lo de qualquer interesse ilegítimo por parte de quem quer que seja: um cidadão, um gestor, um superior ou quem for”, disse Vicente Braga.
Pontos criticados
Um ponto criticado por Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, diretor e professor titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, é o que aumenta os poderes do presidente e estabelece, entre outros pontos, que decretos presidenciais poderão criar ou extinguir órgãos públicos. Segundo o professor, esse item “é um desastre”, usurpa poderes do Legislativo e agride a autonomia dos poderes.
A coordenadora da associação Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, disse acreditar que a proposta fere cláusulas pétreas da Constituição. Para Fattorelli, a PEC “ofende o princípio da moralidade pública e traz de volta o apadrinhamento''.
Ela criticou uma série de pontos da proposta, como a justificativa do Executivo de que há uma percepção de que o Estado custa muito, mas entrega pouco. Segundo Fattorelli, esse é um argumento “sem qualquer comprovação”.
A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) também se manifestou contra a reforma. “Quase 60% dos servidores públicos recebem menos de quatro salários mínimos. Então, não estamos falando de privilegiados. Aliás, os grandes privilegiados não são atacados na reforma, como os deputados federais, os ministros e os secretários do governo”, afirmou.
Melchionna disse ter sugerido uma redução de 50% do salário desses cargos, mas que não teve o apoio do governo.
“Mais do que isso, é óbvio que essa matéria é inconstitucional, porque a estabilidade está na Constituição Federal não como uma benesse, mas como um direito para acabar com a ideia do Estado patrimonialista”, declarou a deputada.
Modernização
Já o relator da proposta, deputado Darci de Matos (PSD-SC), disse que a reforma administrativa vai economizar dinheiro e melhorar um serviço que “ainda é lento”.
“O objetivo desta reforma é promovermos uma economia, nos próximos dez anos, de R$ 300 bilhões, e também de adequarmos o serviço público aos novos tempos, às novas tecnologias, e o fortalecermos para que oferecer um serviço de qualidade à população brasileira. Hoje, infelizmente, o serviço público ainda é lento, oneroso, e deixa muito a desejar”, disse o relator.
O presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), disse que o texto “ainda é tímido”, e deve ser aprimorado para incluir membros de Poder e atuais servidores.
Estabilidade
Para Emanuel de Abreu Pessoa, mestre em Direito, a proposta é constitucional. Segundo ele, mesmo se o tema da estabilidade fosse cláusula pétrea, “seria cláusula pétrea [apenas] para os servidores que já conquistaram a estabilidade”.
Pessoa citou, ainda, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que servidores públicos não têm direito adquirido a regime jurídico. Em sua visão, portanto, “é uma prerrogativa do Legislativo brasileiro, através de emenda constitucional, alterar as regras gerais sobre como funciona a administração pública”.
Já o coordenador-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior, criticou, entre outros pontos, as mudanças nas regras de estabilidade.
Segundo ele, as mudanças são “o cúmulo da falta de responsabilidade” e farão com que os trabalhadores possam ser “modificados ao sabor do governo de plantão”, ferindo o princípio da impessoalidade da administração pública.
A reunião da CCJ desta segunda-feira foi a primeira de uma série de audiências públicas para debater a proposta.