O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) negou ter gravado ilegalmente reunião privada da liderança de seu partido realizada na Câmara dos Deputados em 16 de outubro de 2019. O parlamentar responde a processo no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, acusado pelo próprio PSL de ter feito a gravação ilegal.
Nesta quinta-feira (15), o deputado Alexandre Leite (DEM-SP), relator do processo, ouviu como testemunhas os deputados Felício Laterça (PSL-RJ) e Delegado Waldir (PSL-GO), separadamente. Os parlamentares confirmaram a acusação de que Silveira teria gravado a reunião na qual se discutiu a permanência ou não de Delegado Waldir no cargo de líder do PSL ou a passagem do cargo para o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Segundo Felício Laterça (PSL-RJ), a reunião era reservada e contou com a participação de apenas alguns deputados do PSL, sem acesso da imprensa ou assessores. Para Laterça, “alguém que faz gravação clandestina quer fazer algum mau uso para proveito próprio”. Questionado pela deputada Alê Silva (PSL-MG), Laterça disse que não ouviu do próprio deputado Daniel Silveira a confissão de ter gravado essa reunião específica, mas observou que o parlamentar admitiu à imprensa ter feito a gravação.
“Sobre a questão que o representado responde, acho que já ficou clara a questão da gravação. Ele fez uso disso para promoção pessoal, junto a seus eleitores e à mídia, e isso foi amplamente divulgado, inclusive o áudio da gravação clandestina feita por ele”, disse.
Laterça acrescentou que Silveira já havia confessado a ele o hábito de gravar conversas com autoridades, inclusive com o presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro e outros parlamentares. Laterça disse não ter provas dessas gravações.
Defesa
O deputado Daniel Silveira negou ser o responsável pela gravação da reunião do PSL, negou o hábito de gravar autoridades e acusou o deputado Felício Laterça de calúnia. Silveira alega que teve apenas acesso à gravação por meio de terceiros e que a levou ao conhecimento de Bolsonaro. Ele acrescentou que Felício Laterça não participou da reunião do PSL – o que foi negado por Laterça.
"O presidente é meu amigo, eu falo com o presidente pelo Whatsapp pessoal, todos os dias, falei com ele ontem, antes de ontem. Não, não gravo o presidente, por ter certeza, Felício. O senhor vai ter que provar, porque, se não provar, existe uma outra coisa, o revés judicial”, disse.
Daniel Silveira alegou ainda que, na gravação, é o deputado Delegado Waldir quem afirma que gravou o presidente da República várias vezes.
Gravação premeditada
Em seu depoimento, o deputado Delegado Waldir ressaltou que a gravação foi premeditada por Daniel Silveira, combinada em reunião no Palácio do Planalto e divulgada de forma editada, com o objetivo de obter vantagens. Segundo Delegado Waldir, os diálogos divulgados atentaram contra a sua honra, o destruíram politicamente, assim como a outros parlamentares, como o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara.
Waldir disse que não é mais recebido por nenhum ministro e que deixou ter emendas parlamentares liberadas para seu estado (Goiás) por conta dessa gravação e que pessoas teriam morrido por conta da falta de verbas para setores como saúde. Segundo ele, Daniel Silveira, por sua vez, foi beneficiado com a divulgação da gravação com a liberação de emendas.
"O investigado se infiltrou, gravou, premeditou para prejudicar outros parlamentares e para obter vantagens, seja em cargos do governo, seja em emendas parlamentares, não apenas para ele, mas também para outras pessoas, e de forma inconsequente entregar a liderança na época para o Eduardo Bolsonaro, filho do presidente. Violou a privacidade, a intimidade, uma conduta extremamente grave", disse o deputado.
“O investigado premeditou, foi ardil, foi covarde, foi X9, na gíria policial, foi cagoeta, é uma conduta gravíssima, desleal, antiética, um abuso de confiança, pois o investigado foi vice-líder sob minha gestão”, acrescentou.
Pedidos da defesa
No início da reunião, o presidente do Conselho de Ética, deputado Paulo Azi (DEM-BA), informou que a defesa de Daniel Silveira entrou com petição contra o pedido do relator de envio de informações, pelo Supremo Tribunal Federal, de conversas realizadas entre Silveira e outros parlamentares no celular e notebook aprendidos pela Polícia Federal. Conforme Azi, o pedido foi feito após o conselho já ter pedido as informações ao STF, que respondeu que os bens apreendidos encontram-se em fase de análise pericial na Polícia, o que inviabiliza o atendimento da solicitação neste momento.
O relator Alexandre Leite disse que a reação da defesa é de “desespero” com o mero compartilhamento de dados pelo STF. “Agora tenho muita convicção de que há, nos aparelhos, conteúdo controverso e comprometedor aos atos de Daniel Silveira”, avaliou.
Silveira disse que em seu celular não tem nada que o incrimine, mas considera que o acesso seria violação de privacidade. “Não tenho nada a esconder, mas não abro mão dos meus direitos constitucionais, do meu direito à privacidade. Ninguém é obrigado a abrir provas contra si mesmo”, destacou.
A defesa também pediu impedimento do relator, mas o presidente do conselho rejeitou o pedido. Segundo Paulo Azi, não ficou demonstrado qualquer ato do relator para embasar a suspeição. O advogado de Daniel Silveira, Jean Cleber Farias, contra-argumentou que o relator fez julgamento prévio do deputado, ao declarar que o “crime estava sendo apurado”, ao ler seu plano de trabalho, em reunião do conselho no dia 5 de abril. Na visão do advogado, Alexandre Leite entendeu previamente que havia crime.
Outros processos
O deputado Daniel Silveira, que está em prisão domiciliar e participou da oitiva por videoconferência, também responde a processo (REP 1/21) por quebra de decoro parlamentar por ofensas e possíveis ameaças a integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), e por fazer apologia ao AI-5, instrumento que, em 1968, endureceu a ditadura militar permitindo, por exemplo, o fechamento do Congresso Nacional. Silveira foi preso após ordem expedida pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes, no dia 16 de fevereiro.