Dividiu opiniões, em debate na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 775/21, que permite a famílias que estejam na fila para adoção acolher provisoriamente crianças e adolescentes e posteriormente ter prioridade na adoção deles. O assunto foi discutido nesta segunda-feira (5) na comissão externa que analisa políticas para a primeira infância.
A proposta foi apresentada pelos deputados General Peternelli (PSL-SP) e Paula Belmonte (Cidadania-DF), integrantes da Frente Parlamentar Mista pela Adoção e Convivência Familiar. Os autores explicaram que a ideia do texto veio da deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), que compareceu à reunião e explicou o projeto.
Para Janaína Paschoal, hoje nem sempre o interesse da criança é priorizado no processo de adoção, sendo colocadas muitas vezes em primeiro plano as formalidades do processo. Na visão da deputada estadual, em determinadas ocasiões a Defensoria Pública e outros operadores jurídicos consideram um sucesso retirar a criança de uma família acolhedora para devolvê-la à família biológica, mesmo quando a genitora não quer o bebê ou não tem condições de assumir o(a) filho(a), por conta de uso de drogas por exemplo.
A ideia da parlamentar é que famílias na fila de adoção possam acolher provisoriamente crianças que ainda não estejam com a situação jurídica definida. “Caso a situação se resolva e a criança tenha de ser devolvida para a família biológica, a família acolhedora vai ter de devolvê-la”, disse. “Entretanto, se a Justiça entender que essa criança vai para a fila de adoção, a família acolhedora, que já está habilitada para adotar, terá prioridade na adoção”, continuou. Para Janaína, caso a proposta seja aprovada, a criança não sofrerá com outra quebra de vínculo.
Preocupações
Por sua vez, a secretária nacional de Assistência Social do Ministério da Cidadania, Maria Yvelonia Barbosa, manifestou preocupação com a confusão que o projeto faz entre família acolhedora e família apta a adoção, que têm habilitações diferentes. Diferentemente da adoção, que é definitiva, o acolhimento familiar é uma modalidade provisória, cujo objetivo prioritário deve ser o retorno da criança ou do adolescente à família biológica. Quando o retorno à família biológica não se mostra possível, a criança é encaminhada para adoção.
Segundo a secretária, a família acolhedora é preparada para ser ponte entre o momento que a criança sai do seu lar original e vai para uma nova família ou retorna para o antigo lar. Já na família adotiva, os laços com a família de origem são rompidos.
“Aí é que entram nossas ponderações em relação ao PL. Nós nos preocupamos que essa família adotante se torne uma família acolhedora e isso traga prejuízos inclusive emocionais para a crianças”, afirmou. “Será que não vamos estar criando uma dificuldade de reintegração à família de origem? Porque de repente haverá uma disputa entre essas famílias, a família que quer adotar e a de origem. Sendo família acolhedora, não haverá essa disputa, porque ela já sabe que o papel dela é ser ponte”, avaliou.
O secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Maurício José Silva Cunha, também ressaltou que acolhimento familiar é diferente da adoção, e a proposta pode trazer confusão entre os dois institutos. Os secretários querem estimular a existência de mais famílias acolhedoras no Brasil.
Fila de adoção
Já o juiz Sérgio Luiz Ribeiro de Souza, da Coordenadoria Judiciária de Articulação das Varas da Infância, da Juventude e do Idoso do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, acredita que as premissas da proposta são equivocadas. Ele destacou que o projeto não melhora a celeridade para adoção de crianças e adolescentes. Segundo ele, o processo de destituição de poder familiar, permitindo a adoção, precisa transitar em julgado, o que envolve a avaliação feita por toda uma rede e demanda tempo, e isso não é alterado pela proposta.
O juiz também criticou o ponto do texto que permite que famílias já habilitadas para a adoção busquem crianças e adolescentes em instituição de acolhimento, para a adoção por afinidade. Conforme Sérgio Luiz, isso já existe hoje, mas ocorre apenas entre as crianças e adolescentes já habilitados para a adoção. Caso contrário, pode ser prejudicial a eles. O debatedor ressaltou que mais de 75% de crianças que estão em abrigos institucionais são reintegradas pela família biológica atualmente.
Perfil de adoção
Para acabar com a fila de adoção, Sérgio Luiz defendeu campanhas para mudar o perfil de adoção. Juiz auxiliar da Presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Alexandre Chini ressaltou que o problema no País não é à adoção de crianças na primeira infância, mas a adoção de adolescentes, e grupos de irmãos e nas crianças e adolescentes com deficiência. Para ele, o Cadastro Nacional de Adoção, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), deixa o processo mais democrático e é centrado no interesse na criança e do adolescente.
Hoje há, segundo esse cadastro, 4.977 crianças e adolescentes disponíveis para a adoção, e cerca de 34 mil pessoas habilitadas para adotar. O problema não é, portanto, a falta de pessoas querendo adotar, mas no perfil pretendido pelas famílias. “Ainda permanece uma grande dificuldade de adoção de crianças maiores de oito anos, especialmente adolescentes, ou que possuam problemas de saúde grave e deficiências, além de grupo de irmãos, que é nossa realidade. O que prevalece hoje é um grande contigente de habilitados para adoção de recém nascidos ou crianças de até dois anos de idade”, destacou Chini.
Aprimoramento
Diante das ponderações, os autores do projeto concordaram com a possibilidade de aprimorar a proposta. Mas a deputada Paula Belmonte, que coordena a comissão externa, defende que a família acolhedora seja a família de adoção, a fim de que haja menos quebras de vínculo para a criança. “A nossa intenção é que a criança tenha menos perda emocional.”
O deputado General Peternelli explicou que continuará sendo buscada, em primeiro lugar, a reinserção na família de origem, como já prevê a legislação em vigor. Só se isso não ocorrer, a família acolhedora terá prioridade na adoção. Para ele, a família acolhedora deve poder ser a família de adoção, já que, pela convivência, pode ter interesse na adoção.