Um novo ordenamento jurídico que deixe a legislação eleitoral mais simples e clara, evitando o chamado ativismo judicial; mudanças nas regras de julgamento de registros de candidaturas; garantir, em lei, punição específica a quem fraudar as cotas para mulheres nas eleições; possibilitar o financiamento de campanhas por empresas, mas com limites.
Essas foram algumas das muitas sugestões levadas por participantes de audiência pública realizada nesta quinta-feira (25) pelo grupo de trabalho (GT) da Câmara dos Deputados que discute uma reforma na legislação eleitoral.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George Cruz da Nóbrega, disse que o ativismo judicial (termo técnico usado para definir a interferência do Judiciário em decisões de outros Poderes) ocorre por omissão legislativa. Ele espera, portanto, que a reforma na legislação eleitoral dê mais segurança jurídica ao processo.
Um dos pontos citados pelo procurador foi a ausência de tipificação do crime de caixa dois. “Nós temos, ainda, a ausência da caracterização do caixa dois como um fato típico específico da Justiça Eleitoral e seguimos fazendo o enquadramento dessa conduta como falsidade ideológica, presente no artigo 350 do Código Eleitoral.”
“Colcha de retalhos”
Para Luciana Lóssio, ex-ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a legislação atual é uma “colcha de retalhos”, já que as regras vão sendo modificadas aos poucos, a cada dois anos, quando ocorre uma eleição.
Entre outros pontos de mudança, ela defendeu um rito único nas diversas ações eleitorais, com exceção das referentes a propaganda e direito de resposta, que precisam de trâmite mais célere, ressaltou. Luciana também é a favor da contagem de prazos eleitorais em dias úteis fora do período eleitoral.
Cota para mulheres
Além disso, sugeriu que seja colocada, na legislação, a punição para quem fraudar as cotas para mulheres.
“A Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal (STF) felizmente abriram os olhos para esta praxe lamentável que era a adoção das candidatas laranjas para se preencher o percentual de 30%”, declarou. “Só que não temos um regramento legal sobre isso. Nós precisamos colocar na nossa legislação eleitoral, delimitar as consequências para a fraude à cota de gênero.”
Luciana Lóssio defendeu a aprovação de proposta que está no Senado (PL 1541/19) e busca aperfeiçoar a legislação eleitoral de combate à fraude à cota.
Legitimidade
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), um dos idealizadores do debate, disse que as mudanças na legislação eleitoral devem ter duas funções: conter o ativismo judicial e reforçar a legitimidade dos sistema político brasileiro.
“Parte da atual frágil legitimidade tem a ver com o fato de a sociedade não se ver na política, nos partidos e nos parlamentos”, comentou.
Quem também defendeu tipificações mais claras e definição de conceitos para evitar ativismo judicial foi o ex-desembargador do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE/SP) André Guilherme Lemos Jorge. Ele sugeriu ainda modificação no tempo de registro de candidaturas para aumentar o prazo de julgamento da impugnação dos registros.
Financiamento de campanhas
Coordenadora-geral da organização Transparência Eleitoral Brasil, Ana Cláudia Santano falou, entre outros assuntos, sobre financiamento de campanhas. Ela defendeu o aporte por empresas, mas com limites.
“Vamos propor, como limite de doação para campanhas nacionais, 0,1% do total de gastos do cargo em disputa, o que também se aplica ao autofinanciamento”, informou. No caso das campanhas municipais, o limite subirá para 1% (inclusive no autofinanciamento), “devido à realidade completamente distinta das eleições municipais e nacionais”.
Ana Cláudia defendeu outros limites ao financiamento privado, como por exemplo um teto de 10% dos rendimentos brutos do doador e 2% do lucro das empresas, e de R$ 100 mil para pessoas e R$ 200 mil para empresas.
Julgamento das contas
O presidente do Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), Fabiano Dalazen, sugeriu um prazo uniforme para o julgamento das contas de candidatos, tanto os eleitos quanto os não eleitos, a fim de evitar que os não eleitos acabem escapando de eventuais consequências por ilícitos.
O especialista em Direito Eleitoral Lucas Jatahy, por sua vez, refutou a ideia de implementação de voto impresso. Segundo ele, as urnas eletrônicas são seguras: não podem ser alvo de hackers, passam pela comprovação de que nenhum voto foi computado antes do início da votação e são auditadas.