A relatora do grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que discute a reforma da legislação eleitoral brasileira, deputada Margarete Coelho (PP-PI), quer evitar "retrocessos e armadilhas" no novo texto proposto.
Após ouvir especialistas, em duas audiências públicas nesta terça-feira (16), ela destacou que o objetivo maior neste momento é colher sugestões para se chegar a um texto-base dos códigos Eleitoral e de Processo Eleitoral.
“Queremos ter um bom texto de lei, capaz de enfrentar todos os desafios que o processo eleitoral tem que enfrentar. E que seja um texto possível de ser aprovado. A ideia é de que o texto bom é o que nos podemos votar, eliminando retrocessos e armadilhas que o jogo de poder nos impõe”, explicou a relatora.
O uso abusivo da internet e de redes sociais em campanhas políticas foi uma das preocupações apresentadas pela advogada e mestre em Direito e Estado Maria Claudia Buchianeri.
“É preciso trazer esse novo debate de mídia social pra dentro do uso indevido de meios de comunicação social. O valor [envolvido na publicação] pode ser baixíssimo e a conduta, gravíssima, a depender do número de pessoas atingidas e da total impossibilidade de neutralizar uma notícia falsa que é disparada via WhatsApp na noite que antecede o pleito”, alertou.
Maria Claudia Buchianeri, que integra a Comissão de Estudos Constitucionais da OAB Nacional, também sugeriu mudanças na legislação a fim de que a cassação de mandato em caso de compra de votos só ocorra quando, comprovadamente, interferir no resultado da eleição.
Poder Religioso
Representando a Procuradoria Geral Eleitoral no debate, o procurador regional da República Wellington Saraiva sugeriu que o Congresso defina regras para impedir o que ele definiu como abuso de poder religioso. "Não queremos evitar a discussão de temas políticos em espaços de culto, mas sim evitar que líderes usem os espaços para desequilibrar a disputa eleitoral”, disse.
A opinião do procurador, no entanto, foi contestada por Maria Claudia Buchianeri. Na opinião dela, é preciso cuidado ao abrir o leque do que deve ser considerado abuso a fim de não interferir em garantias constitucionais, como a liberdade de crença e de culto, e de não censurar o debate político.
Milícias
Promotor de Justiça do Rio Grande do Sul e autor de livros em matéria eleitoral, Rodrigo Lopez Zilio disse na reunião que o colegiado deve se debruçar também sobre o casos de abuso de poder coercitivo, utilizado, segundo ele, por milícias para coagir eleitores a votar em determinado candidato.
"Nas últimas eleições, infelizmente, milícias ou mesmo dinheiro escuso em campanhas eleitorais, foi uma realidade forte. O abuso de poder coercitivo, com a atividade de milícias interferindo em campanhas eleitora, é algo pra nos debatermos. Temos que enfrentar esses fenômenos pra ver se a solução é legislativa ou se vamos deixar pro judiciário analisar caso a caso”, disse.
Gastos de campanha
Uma segunda reunião do grupo de trabalho nesta terça-feira (16) ouviu outros especialistas sobre financiamento de campanhas, arrecadação, gastos e prestações de contas.
Segundo o diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, a atual legislação já apresenta avanços significativos em termos de transparência e controle de gastos de campanhas políticas. Ele destacou, entre os avanços, a implementação e divulgação quase em tempo real, por meio do Sistema de Prestação de Contas Anuais (SPCA), de dados de gastos dos partidos.
Entretanto, Galdino acredita que ainda é possível avançar em diversos pontos. Ele sugeriu, por exemplo, que a declaração de renda feita à Justiça Eleitoral pelos candidatos coincida com a apresentada à Receita Federal; propôs limitar as doações de pessoas físicas a um valor nominal; e sugeriu o retorno das doações de empresas, mas também limitada a um valor nominal máximo.
"O problema não era doação de empresas, era que a base da doação era o faturamento das empresas. Se você define um valor nominal baixo, você reduz o impacto do poder econômico de algumas grandes empresas”, concluiu.
Professora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher, da Universidade Federal da Bahia, Teresa Sacchet destacou que se a sub-representação de mulheres e negros na política não for considerada nos debates será difícil avançar nesse aspecto. Ela lembrou a decisão do Supremo Tribunal Federal que equiparou o mínimo de 30% de candidaturas femininas estabelecido pela Lei Eleitoral (Lei 9.504/97) ao percentual mínimo de recursos do Fundo de Campanha (30%), mas reclamou da falta de regras escritas que assegurem igualdade a mulheres e negros.
Criado em 11 de fevereiro, o grupo é formado por 15 deputados e tem prazo de três meses para concluir os trabalhos. O grupo de trabalho é presidido pelo deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) e foi criado por sugestão da deputada Soraya Santos (PL-RJ).