Em evento online ocorrido nesta segunda-feira (16/11), a Escola da Magistratura (Emagis) do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) discutiu o papel do Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS) na desjudicialização da área. Na abertura do encontro, o diretor da Emagis, desembargador federal Márcio Antônio Rocha, destacou que mais de 50% da capacidade de trabalho do Judiciário é diretamente impactada pelos litígios referentes à Previdência Social. “É um tema preocupante, porque as demandas permanecem ao longo dos anos e, por isso, a importância do evento, que promove um debate importante que precisa ser feito”, disse. A coordenação científica ficou a cargo do juiz federal Erivaldo Ribeiro dos Santos. As contribuições do debate farão parte de um relatório a respeito das possíveis soluções a serem aplicadas aos problemas constatados.
Tecnologia a serviço da desjudicialização
O primeiro painel, presidido pela desembargadora federal Vânia Hack de Almeida, apresentou um histórico do CRPS. Nesse sentido, o presidente do conselho, Marcelo Fernando Borsio, explicou que 78% das demandas são relativas a benefícios por incapacidade temporária ou permanente. Ele relatou que o órgão criou um aplicativo, chamado CRPS 5.0, no qual os próprios segurados podem realizar os pedidos de revisão das decisões do INSS, o que, segundo ele, é um instrumento para reduzir as demandas judiciais relacionadas a benefícios previdenciários. O aplicativo possibilita que o segurado apresente a demanda sem a necessidade de um advogado e não tem custas processuais. Segundo Borsio, a ferramenta faz parte da Estratégia Nacional de Desjudicialização Previdenciária e proporciona celeridade no trâmite. Além disso, também será iniciada uma estratégia de mediação, arbitragem e aplicação de Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) antes mesmo da instituição dos processos administrativos.
“O objetivo é efetivamente levar justiça social aos segurados. O CRPS pode ser uma ferramenta para reduzir os índices. Hoje, são ajuizadas sete mil ações judiciais previdenciárias por dia em que o INSS é réu, sendo 53% de reversão das decisões da autarquia. O conselho está se organizando para que todos os trâmites demorem menos de um ano”, relatou.
A desembargadora Vânia Hack de Almeida reforçou que, para mudar a realidade em relação à temática, é preciso identificar os problemas que fazem com que as decisões administrativas adotadas pelo INSS precisem ser revisadas. “Somente descobrindo a causa é que poderemos resolver essa questão”, disse.
Os debatedores foram o juiz federal da 15ª Vara Federal de Porto Alegre e juiz auxiliar da Corregedoria Regional do TRF4, Eduardo Tonetto Picarelli, e o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Alexandre Schumacher Triches. Picarelli trouxe dados de uma pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que apontou que 11% dos benefícios, em todo o país, são concedidos pela via judicial. “É evidente o reflexo do número de mandados de segurança contra a demora do INSS em analisar os recursos administrativos”, pontuou. Na 4ª Região, segundo ele, entre 2015 e 2019, foram ajuizados 3 milhões de ações, metade sobre previdência. Atualmente, 32% dos mandados de segurança da 4ª Região são da matéria previdenciária. “A Justiça é procurada para que seja feita a instrução probatória que não foi realizada durante o processo administrativo, como falta de perícia, por exemplo”, analisou.
Por sua vez, Alexandre Triches apontou que a judicialização é fruto do não esgotamento da via administrativa. “Esse sistema misto de manter um contencioso administrativo e dar acesso amplo ao Poder Judiciário faz com que os advogados prefiram ingressar com ações judiciais”, disse. Para ele, é necessária uma maior interação entre a tecnologia e o serviço público prestado pelo CRPS para a redução do número de processos na Justiça.
Interposição de recursos
O segundo painel, conduzido pela juíza federal substituta Lívia Mendes, abordou a interposição de recursos, sua tramitação e seu julgamento no âmbito do contencioso administrativo previdenciário. O conferencista foi Gustavo Beirão Araújo, que é presidente da 3ª Câmara de Julgamento do CRPS. Ele falou sobre os mais de 20 princípios constitucionais que regem o contencioso administrativo e se aplicam a todas as fases do processo, inclusive a recursal. Segundo ele, a judicialização começa ainda na etapa da instrução do pedido e, quando o processo chega ao CRPS, muitas vezes é difícil identificar o motivo do indeferimento, o que acaba causando morosidade e retrabalho. “Tudo isso afeta o princípio da razoável duração do processo e da eficiência, e também pode incitar a ilegalidade”, ponderou.
Araújo alertou, ainda, que existem teses pacificadas no Judiciário que tendem a ser não acatadas no âmbito administrativo, o que acaba forçando a judicialização. “Se forem aplicadas as interpretações do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), deverá reduzir a judicialização”, discorreu.
Os debatedores desse painel foram o juiz titular da 3ª Vara Federal de Blumenau, Helder Teixeira de Oliveira, a diretora de Atuação Judicial do IBDP, Gisele Lemos Kravchychyn, e o presidente da Comissão de Direito Previdenciário da seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil, Leandro Pereira.
Gisele Lemos Kravchychyn reiterou a importância de que todos os sistemas tecnológicos das diversas instituições conversem entre si. “O sistema judiciário e o sistema recursal administrativo têm de andar mais conectados, pois a lei é uma só”, analisou. Ela lembrou que o INSS deveria aplicar as teses já pacificadas em repercussão geral e súmulas vinculantes, por exemplo, além de trabalhar em conjunto com a AGU para adotar essas soluções. No mesmo sentido, Leandro Pereira enfatizou que não adianta o processo ser rápido se não é feita a análise efetiva da existência ou não do direito do segurado. “Se o CRPS é um órgão superior ao INSS e estamos vivenciando inúmeros descumprimentos, seja de implantação, seja na realização das diligências, é preciso haver alguma medida coercitiva”, sugeriu.
Helder Teixeira de Oliveira afirmou que o relatório do CNJ traz o dado de que, de 2015 a 2018, houve um crescimento de 140% na apresentação de demandas judiciais. “A excessiva judicialização não é só culpa dos erros do INSS. Quando temos um sistema sem filtro algum, sem risco, sem ônus, ele vai ser, de certa forma, abusado e gerar excesso de demanda, o que acarretará dificuldades àqueles que realmente têm direito aos benefícios”, disse.
Razoável duração do processo
O terceiro painel, também conduzido pela juíza Lívia Mendes, teve como conferencista a conselheira do CRPS Ana Cristina Evangelista. Conforme ela, o órgão possui um total de 538 conselheiros no país, com uma produção regimental mensal de, no mínimo, 65 processos e, no máximo, 100. Isso representa a resolução de um máximo de 645 mil processos por ano, cujo tempo médio de tramitação, nas Juntas de Recursos (primeira instância), é de 164 dias, e nas Câmaras de Julgamento (segunda instância), de 370 dias. A intenção do conselho, com a digitalização dos procedimentos, é reduzir o tempo de trâmite e otimizar os processos. Além disso, enquanto o custo médio de um processo judicial previdenciário é de R$ 3,7 mil, o do processo administrativo no CRPS é de R$ 140,00, o que significa atender ao princípio da economicidade. A conselheira ainda relatou um aumento exponencial dos números em virtude da Reforma da Previdência: em 2016, foram recebidos 395 mil procedimentos e, em 2020, esse valor ultrapassa os 930 mil.
O debate desse painel foi promovido pelo juiz titular da 8ª Vara Federal de Curitiba, Érico Sanches Ferreira dos Santos, e pelo procurador-chefe da Procuradoria Federal no Estado do Paraná, Marcelo Alberto Gorski Borges. Sanchez lembrou que o ecossistema previdenciário precisa ser harmonizado para que tudo funcione da melhor forma possível. “As mudanças na cultura institucional e a virada tecnológica são processos de transformação, algo que sempre é traumático, mas inevitável e necessário. Para melhorar, é preciso diálogo e interação”, argumentou. Por sua vez, Borges frisou que o sistema multiportas para resolução consensual de conflitos não funciona ainda no Direito Previdenciário e essa modalidade atingiria “uma parcela da população que precisaria muito disso. Necessitamos instrumentos normativos claros e fortes, dizendo expressamente sobre a possibilidade de conciliar ou fazer arbitragem na matéria previdenciária”, concluiu.
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