Fomentar reflexões sobre o enfrentamento do racismo estrutural no Brasil e no sistema de justiça e o desafio de implementar ações práticas com potencial de transformar a realidade social no que tange à promoção da igualdade. Essa é a proposta da programação elaborada pela Justiça Federal do RS (JFRS) para o “Mês da Consciência Negra 2020 – edição Lanceiros Negros”. A iniciativa realizada de forma virtual, que se iniciou na terça-feira, teve sequência na tarde de ontem (5/11), com a mesa “O debate racial no Poder Judiciário, políticas públicas e práticas institucionais”.
As reflexões foram trazidas pelo desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) Roger Raupp Rios, pela juíza de direito do Tribunal de Justiça do RS Karen Luise Vilanova Batista de Souza e pela juíza do trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região Gabriela Lenz de Lacerda. Eles refletiram sobre os diversos aspectos que permeiam o racismo estrutural e apresentaram ações que estão sendo realizadas no âmbito das instituições para enfrentar a questão.
Rios sublinhou que as instituições estão intrinsecamente constituídas na lógica da modernidade ocidental em que o racismo tem um papel estrutural, além de serem formadas predominante por pessoas brancas. Para ele, o racismo, o sexismo, a homofobia “são realidades que minam a capacidade de o sistema de justiça ser justo”.
O desembargador federal acredita que o racismo é “a pedagogia por excelência da discriminação” porque foi a forma de fazer a exploração colonial, estruturando todo sistema. Entretanto, é preciso ser enfrentado, já que não é um problema somente dos negros, “não é alheio às instituições, ele compromete o modo de existir decente no mundo”.
Souza pontuou que, até 2017, os magistrados negros não se conheciam, realidade que mudou com o 1º Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros. Segundo ela, em um primeiro momento, o evento buscava saber a identidade deles, mas evoluiu para discutir a questão racial na magistratura, já que 56% da população é negra e há apenas 18% de juízes negros.
A juíza de direito integra o Grupo de Trabalho de Políticas Judiciárias sobre a Igualdade Racial no âmbito do Poder Judiciário do Conselho Nacional de Justiça, que visa propor ações concretas para enfrentamento do racismo. Para ela, é preciso reconhecer a existência desse problema no país, mas sair da inércia e agir. “O Poder Judiciário tem que institucionalizar o debate, as instituições precisam assumir o compromisso de oficializar as políticas de equidade”, destacou.
Já Lacerda ressaltou o pioneirismo do TRT4 nessa discussão, apresentando que, em 2017, foi aprovado no órgão a Política de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade, que previu a criação de um comitê, o qual ela coordena atualmente. Ressaltou a prevalência branca na instituição e a relevância de compreender como a cor da pele coloca a pessoa em determinado lugar.
“Ser branco é um privilégio. Tenho que entender o nosso lugar nesse debate. Como ser branco te levou até aqui”, afirmou. A juíza do trabalho destacou a importância de construir uma “branquitude crítica”, processo que exige esforço, mas que enriquece a visão de mundo e conduz a pensar a questão racial sobre outro enfoque.
Região Sul e a população negra
A abertura da programação aconteceu na terça-feira (3/11) com a mesa formada pela geógrafa Daniele Vieira e o historiador Marcus Vinícius de Freitas Rosa. Eles trataram do tema “O Negro na História da Região Sul – imagem, imaginário, formação social e territórios negros”.
Os dois estudiosos refletiram sobre qual o papel de pensar a trajetória histórica da população negra e a formação do imaginário dos lugares e dos “não lugares” atribuídos às pessoas negras no debate atual contra o racismo. Vieira apresentou o mapa da presença negra em Porto Alegre, que, no final do século XIX, ocupava áreas onde hoje estão situados os bairros Bom Fim, Rio Branco, Bela Vista e Mont´Serrat.
Já Rosa trouxe dados sobre pessoas negras escravizadas e livres que se mobilizavam pela abolição em movimentos intelectuais e agremiações décadas antes da Lei Áurea. Ambos destacaram a existência do Museu do Percurso do Negro, na capita gaúcha, que busca visibilizar a comunidade afro-brasileira com a instalação de obras de arte em espaços públicos da capital.
A programação ainda conta com mais uma mesa, que acontecerá na próxima terça-feira (10/11), intitulada “Boas práticas institucionais de combate ao racismo”, com a participação do coordenador do Observatório de Direitos Humanos da Universidade Federal de Santa Maria, Victor De Carli Lopes, do assessor da Presidência do Tribunal de Contas do Estado do RS, Gleidson Dias, e da procuradora do Trabalho do Ministério Público do Trabalho do RS, Ana Lúcia Stumpf González. O Memorial da JFRS também produziu uma narrativa que traz dois processos históricos que contêm registros de questões raciais e que está exposta no portal da instituição.
Fonte: Seção de Comunicação Social e Cerimonial/JFRS
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