Ocorreu ontem (10/9) a quarta e última etapa da série de webinários realizada pela Escola da Magistratura (Emagis) do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que discutiu os avanços e as dificuldades interpretativas passados cinco anos da instituição do novo Código de Processo Civil (CPC). O encontro trouxe palestras sobre a abordagem da coisa julgada e as alterações que a legislação promoveu sobre a tutela antecipada. A coordenação científica da programação ficou a cargo do diretor da Escola, desembargador federal Márcio Antônio Rocha, e do juiz federal Artur César de Souza – que encerrou o ciclo de palestras.
Realizadas totalmente online, as conferências debateram, também, temas como as alterações promovidas em relação aos recursos, demandas repetitivas e incidentes de assunção de competência, bem como os negócios processuais e intervenções de terceiros e, ainda, o papel do juiz e das cortes superiores com o novo código.
“Tivemos um ciclo de palestras extremamente inspirador, onde processualistas reconhecidos nacionalmente propuseram à seleta audiência de magistrados e funcionários atualizações de conhecimentos e controvérsias atuais e instigantes sobre o Código de Processo Civil reformado pela Lei de 2015”, frisou Márcio Antônio Rocha.
Novo CPC e a coisa julgada
O primeiro palestrante do dia foi o professor associado de Direito Processual Civil na Universidade de São Paulo (USP) Paulo Henrique Lucon. Doutor, mestre e livre docente pela mesma instituição, ele abordou as imbricações decorrentes da mudança na legislação em relação à coisa julgada.
Para Lucon, que é pós-doutorando em Direito na Universidade de Lisboa e integrou a Comissão Especial do Código de Processo Civil de 2015 da Câmara dos Deputados, “a coisa julgada é predicado, não se relativiza e nem é inconstitucional. O que pode ser inconstitucional é a sentença ou os argumentos utilizados para tal”. O professor, que foi juiz do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo entre 2004 e 2011, lembrou que o atual CPC estabelece “situações em que haverá questões prejudiciais que devem ser definidas antes da decisão relativa aos pedidos dos demandantes”.
Lucon ainda esclareceu que “as questões prejudiciais são decididas na motivação da sentença, mas se o Código estabelece o contraditório prévio e efetivo, deve haver o cumprimento do dever de consulta para analisar a questão prejudicial antes da sentença”. Nesse sentido, ele pontuou, como uma novidade trazida pelo novo CPC, a necessidade de que o magistrado tenha competência para decidir sobre a questão prejudicial.
Em relação a esse tema específico, o professor da USP entende que a tecnologia e a inteligência artificial podem beneficiar a população no sentido de estabelecer as questões e propiciar ao magistrado uma possibilidade de organização de trabalho para que haja tanto o ranqueamento sobre o que deve ser julgado prioritariamente, como a análise de questões repetitivas e, inclusive, o apontamento de quando couber ação rescisória.
Tutela provisória
A segunda palestra do dia e última do ciclo de webinários ficou a cargo de Artur César de Souza. Atualmente doutorando em Cidadania, Direitos Humanos, Ética, Filosofia e Política pela Universidade de Barcelona, o juiz da 7ª Vara Cível Federal em Londrina (PR) apontou que o tema das tutelas provisórias se torna ainda mais desafiador no período que vivenciamos em razão da pandemia, pois os magistrados estão se deparando com pedidos de tutela de urgência para internação compulsória em UTIs, para prescrição e entrega de determinados medicamentos para Covid-19 e para o pagamento do auxílio emergencial, por exemplo.
Segundo Souza, que é pós-doutor em Direito pela Università Statale di Milano (Itália), pela Universidad de Valência (Espanha), pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal), a tutela provisória está regulamentada em 18 artigos do novo CPC, especialmente nos artigos 294 e 311.
“Quando falamos em tutela de urgência ou provisória, estamos diante de algo para impedir danos emergentes decorrentes de circunstâncias fáticas que possam retardar a concessão da tutela definitiva”, discorreu. Nesse sentido, ele analisou que o atual código manteve a fungibilidade das tutelas cautelar e antecipatória. “O cerne da necessidade de diferenciação ontológica entre elas é que, no novo CPC, essa concepção não se parece mais apropriada, porque somente com a tutela antecipada é possível que os seus efeitos sejam estabilizados, e não a da antecipada”, argumentou.
Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Souza explicou que o artigo 299 do novo CPC deixa clara a competência para concessão da tutela provisória, que deve ser requerida ao juízo da causa e, quando antecedente ao processo, ao juízo competente.
Sobre os recursos a tutelas antecipadas, Souza aponta que a expressão “recurso” do artigo 304 do CPC é passível de interpretação restritiva, e não ampliativa. “Importante salientar que, no site do Senado, vemos que, no anteprojeto do CPC, estava expresso que, quando for concedida a medida em caráter liminar, e não havendo impugnação após sua efetivação, o juiz extinguirá o processo. No projeto original, não havia a palavra ‘recurso’ e, sim, ‘impugnação’, mas na tramitação legislativa, se abandonou a expressão ampla e implantou a restritiva”.
Segundo ele, recentemente o STJ proferiu decisão firmando que não haverá a estabilização da tutela apenas quando for apresentado recurso de agravo de instrumento, em vez de uma simples contestação. “A ausência da impugnação da decisão tornará preclusa a possibilidade de sua revisão e, assim, a apresentação de contestação não pode ser utilizada”, ponderou.
O juiz federal encerrou sua manifestação reforçando que, nos casos em que não há agravo de instrumento apresentado, ocorre a estabilização da tutela antecipada e a extinção do processo, sem julgamento de mérito. “Não há coisa julgada material, apenas formal. Mas as partes podem pedir a reforma da tutela em nova demanda autônoma, que não visa apenas modificar a tutela provisória; ela tem de trazer, obrigatoriamente, a análise do mérito”, concluiu.
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