Traduzido por Julio Batista
Original de Tessa Koumoundouros para o ScienceAlert
Apesar de resistir bastante – num processo que pode ter amputado sua própria perna em uma tentativa fútil de fuga – a resina pegajosa da árvore endureceu ao redor dele, sepultando-o por quase 100 milhões de anos. “Quando eu vi pela primeira vez eu não podia acreditar nos meus olhos”, disse o paleontólogo de Harvard Javier Luque. “Este caranguejo espetacular parece tão moderno, como algo que você pode encontrar [na Colúmbia Britânica] andando sobre pedras, mas na verdade é bem antigo e diferente de tudo o que foi visto antes, seja fóssil ou uma espécie viva.” A micro-TC revelou que o âmbar preservou o caranguejo de 5 milímetros a um nível excepcional – até mesmo protegendo as cerdas delicadas do caranguejo (os ‘pêlos’ dos invertebrados) ao redor de suas peças bucais ligeiramente abertas.
As guelras frágeis e os olhos compostos e complexos ainda estavam intactos para os pesquisadores examinarem, e os vestígios claros de ecdise indicava que o caranguejo ainda estava vivo quando se afogou na resina da árvore. Uma de suas pernas está separada de seu corpo, possivelmente devido à autotomia do membro. “Cretapsara athanata é o fóssil de caranguejo mais completo já descoberto”, disse Luque. Ele e seus colegas deram o nome do caranguejo do Cretáceo se baseando no “espírito imortal das nuvens e águas” da mitologia do sul da Ásia.
O fóssil foi encontrado em uma província Kachin de Mianmar, uma região agora tristemente envolvida em um conflito sociopolítico. Em reconhecimento e para aumentar a conscientização sobre o papel lamentável que o comércio de fósseis está desempenhando no financiamento do conflito devastador, Luque e colegas declararam que só explorarão fósseis antes de 2017, quando o conflito atual for retomado.
Este âmbar foi legalmente comprado pelo Museu de Âmbar Longyin em 2015. Tecidos de plantas e fezes de inseto dentro dele sugerem o âmbar foi formado no solo ou próximo ao solo da floresta, uma suposição apoiada pela falta de areia e camadas que indicariam que o âmbar encontrou água em algum ponto. No entanto, a anatomia das guelras incrivelmente preservada do fóssil de caranguejo não mostrou nenhum sinal de adaptação à terra, como o tecido pulmonar que vemos em caranguejos terrestres hoje, então o caranguejo provavelmente era anfíbio, concluiu a equipe. Ele possivelmente viveu em lagos de água doce na floresta, estuários ou migrou do mar como os caranguejos vermelhos da Ilha do Natal.
Os fósseis de caranguejos remontam a mais de 200 milhões de anos atrás, exibindo uma incrível diversidade de formas desde então. Esta nova descoberta do Cretáceo Inferior (± 99 milhões de anos atrás) tem uma mistura de características evolutivas anteriores e posteriores que indicam que os caranguejos já estavam estabelecidos em ambientes não marinhos naquela época.
“Este caranguejo está nos contando uma história muito interessante sobre a árvore da vida dos caranguejos”, disse Luque. “Há muito entusiasmo sobre a evolução do caranguejo porque a evolução produziu formas semelhantes às do caranguejo, conhecidas como carcinização, muitas vezes de forma independente.”
C. athanata é um dos mais antigos e completos achados pertencentes ao grupo dos caranguejos verdadeiros Brachyura (em oposição aos ‘falsos caranguejos’ como os caranguejos-eremitas) – o mesmo grupo dos caranguejos que ainda vivem hoje. Mas houve um enorme intervalo de 50 milhões de anos entre o momento em que as evidências moleculares e fósseis indicaram que ocorreu a divisão entre os caranguejos marinhos e terrestres/de água doce.
“Cretapsara preenche a lacuna entre a divisão do DNA molecular dos caranguejos não marinhos de seus parentes marinhos (± 130 milhões de anos atrás) e seus fósseis mais antigos conhecidos (± 75-50 milhões de anos atrás)”, explicou Luque no Twitter. Também “nos diz que os caranguejos conquistaram terra e água doce mais de 12 vezes de forma independente!”
A evolução adora brincar com caranguejos.
Esta pesquisa foi publicada na Science Advances.