Na audiência pública da Comissão Especial da Reforma Administrativa (Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/20), pesquisadores defenderam limites para ocupação de cargos civis por policiais e militares da ativa. Com base em dados do Tribunal de Contas da União (TCU), o número de militares cedidos para cargos civis no governo federal aumentou de 3.515, em 2019, para 6.157 no ano passado. Uma das emendas à reforma administrativa determina que militares passem à reserva ao assumir um cargo ou emprego público civil, seja ele permanente ou temporário.
A diretora de Programas do Instituto Igarapé, Melina Risso, considera perigoso que a função policial e das Forças Armadas seja acumulada ou compatibilizada com outras funções. "Outra questão é a porta giratória em relação à participação política de membros dessas categorias. A gente tem visto uma mistura bastante perigosa de politização, tanto das polícias quanto das Forças Armadas", alertou.
O antropólogo e pesquisador da UERJ Robson Rodrigues, que é coronel da reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro, teme que a tendência aumente o corporativismo e prejudique a especialização e o profissionalismo dos policiais militares. "Devemos evitar a politização das instituições militares", defendeu. Outra preocupação é que alguns estados, de maneira infraconstitucional, têm categorizado como de natureza militar funções tipicamente civis.
Separação e missão
O deputado Alencar Santana Braga (PT-SP) defendeu a separação de funções militares e de segurança dos cargos civis. "Nós temos aqui no governo federal uma participação imensa de militares na ativa ocupando cargos civis. Sem dúvida alguma haverá uma contaminação política, isso é natural do ser humano, assim seria em qualquer outro setor. Por isso a gente tem de separar.
O deputado Coronel Armando (PSL-SC) nega que haja politização nas Forças Armadas ou em militares que ocupem cargos civis. Ele destaca que a prática respeita a Constituição. "O militar vem a contribuir trazendo a sua forma de trabalhar, a sua organização e seu espírito de cumprimento de missão para administração pública. A politização não existe dentro das Forças Armadas. Então ela não vai existir enquanto um militar ocupar cargo de natureza civil", argumenta.
Coronel Armando acredita que a experiência de militares em cargos civis pode ser benéfica para administração pública. "De maneira nenhuma há prejuízo. A gente leva os valores para um novo ambiente de trabalho e traz em retorno algumas novidades para nossa Força. Isso acaba contribuindo para melhorar."
Meritocracia
Os debatedores se dividiram sobre a possibilidade de a reforma administrativa ser aplicada às carreiras militares e de segurança pública. Entre os contrários, o advogado da União e consultor jurídico do Ministério da Defesa, Idervânio da Silva Costa, defendeu que os militares possuem objetivos específicos e regime jurídico adequado a suas finalidades. "Já existe na carreira militar meritocracia e flexibilização de vínculo funcional, com custo-benefício adequado", argumentou.
Ele lembrou ainda que os militares de carreira têm ingresso exclusivamente por concurso público, sendo que os oficiais passam por curso de formação de cinco anos nas academias militares, em regime de internato. Já os militares temporários, que compõem 55% do efetivo, não adquirem estabilidade e permanecem no máximo por oito anos nas Forças Armadas.
Em contraponto, Melina Risso afirmou que uma pesquisa recente do Instituto Igarapé identificou que, nas polícias civis e militares, as promoções não são por merecimento, somente por tempo de serviço. "A estruturação e a profissionalização da carreira policial precisa ser feita para valorizar os policiais com salário adequado e com política de cargos que seja adequada ao desafio que enfrentam no cotidiano." No entanto, ela acredita que a gestão das carreiras policiais poderia ser feita por leis orgânicas próprias dos estados, e não na reforma administrativa.
Adicionais e avaliação
O presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), Rodolfo Queiroz Laterza, também argumentou que a reforma administrativa seria incompatível com as carreiras de segurança e poderia gerar problemas de estabilidade nas instituições policiais. Como exemplo, ele afirmou que a extinção de adicionais de tempo de serviço poderia prejudicar carreiras que não têm privilégios e cuja remuneração é baixa. Outra distinção em relação a outros cargos públicos seria a avaliação de desempenho, que segundo ele é extremamente severa para os policiais.
Laterza ainda demonstrou preocupação com dispositivo da reforma administrativa que, segundo ele, poderia delegar as atividades militares e de segurança pública para iniciativa privada. "Isso pode tornar inefetivo um serviço que é essencial para o direito à vida, à liberdade, à segurança", alertou.
Robson Rodrigues defendeu uma reforma administrativa que dê eficiência ao serviço de segurança pública e seja benéfica para os próprios integrantes do sistema de segurança pública. "As Polícias Militares espelham o modelo organizacional e o regime jurídico do Exército. Isso acaba impondo um custo adicional para PM."
Guardas municipais
Representantes de guardas municipais defenderam que a categoria ganhe status de polícia e seja incluída no rol de carreiras típicas de Estado, que na reforma administrativa vão manter a estabilidade e outros direitos.
O dirigente da Comissão Norte e Nordeste de Guardas Municipais (Conneguam), Fernando Lourenço Da Silva Neto, lembrou que as guardas municipais já foram reconhecidas em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) como parte do sistema de segurança pública. Ele ainda observou que os municípios têm aumentado os gastos com segurança pública. Segundo dados dos Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as prefeituras gastaram 5,3% a mais com segurança em 2019, na comparação com o ano anterior. Já os estados tiveram aumento de apenas 0,6%, enquanto a União sofreu queda de 3,8%. No total, 2.423 cidades declararam gastos com segurança em 2019.
O presidente do Sindicato dos Servidores da Guarda Municipal do Rio de Janeiro (Sisguario), Rogério Chagas, lamentou que os guardas municipais ficam à mercê dos prefeitos, que podem impedir ou restringir sua atuação. "Falta ousadia de encarar o problema. Ou vamos ser guardas ou servidores comuns", comentou.
O deputado Rogério Correia (PT-MG) defendeu que a estabilidade seja garantida para militares e servidores públicos civis. "Quem pode dizer se o servidor é necessário ou não? Imagine o prefeito determinar se a guarda municipal é necessária ou não. Todos têm que ter o direito à estabilidade, que é inerente ao serviço público", apontou.