A professora Givânia Maria da Silva, cofundadora da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), acusou prefeitos de desviar as vacinas que seriam destinadas para quilombolas. "Os prefeitos dizem ao governo federal que os quilombolas não se vacinaram porque não quiseram. Mas os prefeitos querem definir quem é quilombola e quem não é. Destinam as vacinas dos quilombos para outros grupos", denunciou.
A denúncia foi feita em audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, em que representantes de trabalhadoras domésticas e comunidades quilombolas lamentaram a falta de políticas públicas específicas para combater a Covid-19 na comunidade negra, em especial para as mulheres negras. As debatedoras avaliam que a ausência de dados oficiais prejudica melhorias no atendimento social e de saúde da população.
A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) afirmou que a Covid-19 foi um golpe na nação brasileira, mas atingiu o coração dos quilombolas. "Esta falta de controle da pandemia se configurou em um padrão constante pelo aumento expressivo da transmissão. Dentre os mortos, vimos um grande impacto dentro da comunidade negra, com destaque para vida das mulheres negras."
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu os quilombolas como grupo prioritário na vacinação contra a Covid-19. No entanto, levantamento da Conaq divulgado no início do mês indicava que apenas 24% da população quilombola estava totalmente vacinada e 11% ainda não receberam a primeira dose.
Givânia Maria da Silva afirmou que a Covid-19 chegou muito rápido nos quilombos e atingiu principalmente as comunidades do Rio de Janeiro, Amapá e Pará. Segundo os dados da Conaq, quase 6 mil quilombolas tiveram casos de Covid-19 confirmados e 300 morreram. No entanto, Givânia acredita que o número seja três vezes maior. "O governo não construiu nenhum sistema de monitoramento e não temos informações sobre as vacinas", lamentou.
Trabalho
A presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista Pereira, observou que 1,3 milhão de trabalhadoras do setor perderam postos de trabalho. "Muitas tiveram contrato suspenso e continuaram trabalhando sem o patrão recolher FGTS, INSS e décimo-terceiro", denunciou.
Luiza Pereira reclamou que, nos decretos de lockdown, muitos governadores deixaram o trabalho doméstico como serviço essencial, expondo as mulheres a risco de contaminação por ter de utilizar o transporte público lotado. "Não temos dados sobre a quantidade de trabalhadoras domésticas que faleceram", lamentou.
Máscaras
A diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, calcula que, das 305 mil mortes no primeiro ano da pandemia, 120 mil vidas poderiam ter sido poupadas. "Enquanto as vacinas e outros medicamentos não estavam disponíveis, havia medidas comprovadamente capazes de controlar a pandemia através da redução de transmissão", comentou. "Era obrigação do Sistema Único de Saúde distribuir máscaras de qualidade", lamentou.
Jurema Werneck notou que grande parte dos profissionais de enfermagem que trabalham no combate ao coronavírus são mulheres negras. "A epidemia gerou riscos maiores para as populações mais vulneráveis, negros e indígenas, pessoas com baixa renda e baixa escolaridade", apontou. "São as mulheres que têm que cuidar dos doentes e ir à rua para garantir a segurança alimentar das famílias."
Realidade
A assistente social e mestre em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) Renata Ferreira calcula que as mulheres negras correspondem a 62% da população do Cadastro Único, que alcança 25 milhões de famílias. Ela também lamentou a ausência de dados para avaliação de políticas públicas. "Precisamos conhecer a realidade das mulheres negras para formular políticas públicas que superem respostas imediatistas. Não é só ter Bolsa Família e auxílio emergencial", comentou.
Renata Ferreira lamentou a redução de equipamentos públicos de assistência social na pandemia, o que prejudicou o acesso de mulheres a serviços públicos.