As comissões de Defesa dos Direitos da Mulher; de Legislação Participativa; e de Seguridade Social e Família da Câmara realizaram audiência pública nesta sexta-feira (16) para debater a Portaria 13/21, do Ministério da Saúde, que incorpora ao Sistema Único de Saúde (SUS) o implante subdérmico de etonogestrel, como forma de prevenir gravidez não desejada em alguns grupos de mulheres específicos.
Representantes da sociedade civil organizada classificaram de eugênica e discriminatória a portaria do governo, enquanto representantes do Ministério da Saúde apontam limitações orçamentárias para estender a medida a todas as mulheres em idade fértil. O tema pode ir parar no Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com a portaria, poderão receber o contraceptivo mulheres em idade fértil em situação de rua; com HIV/AIDS em uso de dolutegravir; mulheres em uso de talidomida; privadas de liberdade; trabalhadoras do sexo; e em tratamento de tuberculose em uso de aminoglicosídeos.
Reivindicações
Recomendação do Conselho Nacional de Saúde (CNS) pede a revogação da portaria; a implementac?a?o de poli?ticas pu?blicas de planejamento familiar observando o direito de autodeterminac?a?o, privacidade, intimidade, liberdade e autonomia individual, sem discriminac?a?o, sem coerc?a?o e sem viole?ncia; e a ampliac?a?o da oferta dos me?todos contraceptivos, a serem disponibilizados de forma universal.
A recomendação do CNS também reivindica a garantia da participac?a?o do conselho, como o?rga?o de cara?ter permanente e deliberativo do SUS, na construc?a?o das poli?ticas nacionais de sau?de.
Representante da Articulação de Mulheres Brasileiras, Emilly Marques considera que a portaria tem caráter eugênico. A eugenia busca um alegado “aperfeiçoamento genético da população”, impedindo a reprodução de raças consideradas inferiores.
"Ao selecionar um determinado público de um SUS que defendemos universal, (a portaria) intenciona um serviço de controle de caráter eugênico e racista que afronta a nossa autonomia e saúde sexual reprodutiva. Seleciona grupos que vivenciam uma desproteção histórica do estado”, observou Emilly.
Fatores financeiros
O diretor do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde, Antônio Rodrigues Braga Neto, disse entender o receio de que a ação do ministério tivesse um intuito eugênico, dado o histórico brasileiro, mas afirmou que a delimitação do grupo se deveu exclusivamente a fatores financeiros.
“Eu não tenho dúvida de que a incorporação de um implante contraceptivo na rede SUS é um ganho. Tentou-se essa incorporação nos últimos dez anos, e essa incorporação nunca foi aprovada, por um único motivo, que é o impacto dos custos da incorporação", disse.
Ele disse que foi possível tornar o impacto aceitável para o SUS quando começaram a pensar em populações específicas que pudessem inicialmente se beneficiar mais do uso desse implante. Ele também ressaltou que o uso é voluntário e reversível.
Trabalhadoras sexuais
A vice-presidente da Central Única de Trabalhadoras Sexuais, Santuzza Alves de Souza, destacou que o público alvo da política não foi consultado.
“Nós, enquanto trabalhadoras sexuais, não participamos da consulta popular. Não fomos consultadas e mesmo assim fomos colocadas como público alvo de um método que pra gente não é ruim, mas que seja feito de forma transparente e que sejamos consultadas e possamos discutir se realmente é um benefício para as trabalhadoras sexuais", disse.
Santuzza lembrou que faz parte de um público historicamente estigmatizado, ignorado por todos os governos e que, de repente, foram "acariciadas com um presente, entre aspas, desse governo que nós podemos dizer que também não nos ama".
Luciene Fontes Bonan, também do Ministério da Saúde, reafirmou que a decisão não foi ideológica.
“A primeira recomendação foi desfavorável à incorporação do implante, justamente pela grandeza do impacto orçamentário, que numa perspectiva de cinco anos, para essa população não limitada de mulheres, chegava a um impacto orçamentário de R$ 1,2 bilhão”, observou.
Com a população específica, segundo Bonan, o impacto é de R$ 17 milhões.
Ação no STF
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), uma das parlamentares que pediu a realização da audiência, é também autora de um projeto (PDL 176/21) que susta a portaria do ministério. Ela sugeriu uma série de encaminhamentos, entre eles uma tentativa de conversa no próprio ministério, para que reveja a decisão; um trabalho de convencimento para que sua proposta que suspende a portaria seja pautada na Câmara; e uma ação no STF.
“A ação está pronta e nós deveríamos fazê-la chegar aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ela (a portaria) é estigmatizadora, inconstitucional e não possibilita que universalmente as mulheres possam tomar uma decisão consciente e informada por esse método”, disse.
A deputada Erika Kokay (PT-DF), também autora de pedido para audiência e coordenadora dos trabalhos, acolheu os pedidos. Ela ressaltou o histórico eugênico do país, no início do século 20, e destacou que o Brasil ainda não fez o luto de suas casas grandes e senzalas.
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