A determinação de um limite para ensino a distância (EaD) nos cursos de graduação de Medicina Veterinária foi alvo de críticas em audiência pública na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Convidados e parlamentares discutiram o Projeto de Lei 7036/17, que limita a carga horária a distância a 10% do curso e determina que esteja restrita ao conteúdo de formação geral.
Todos os convidados criticaram a definição de um percentual por um projeto de lei. Alguns se opõem à modalidade de ensino a distância para os cursos de Veterinária, outros são favoráveis, mas consideram que o projeto, se for aprovado, pode impossibilitar eventual flexibilização diante de avanços tecnológicos como inteligência artificial.
Diálogo necessário
Relator da proposta, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) destacou que será necessário muito diálogo para diminuir as resistências sobre o tema entre deputados e interessados. “O nosso interesse é aprovar o melhor relatório. Vou assumir um compromisso com todos de buscar um ponto de encontro para avançarmos”, disse. Ele destacou que também tem mantido diálogo com o autor do projeto, o então deputado e hoje ministro Onyx Lorenzoni, e afirmou que é defensor da modernidade na educação. O objetivo, segundo ele, é chegar a um texto que não seja alvo de obstrução no colegiado.
A audiência foi realizada a pedido da presidente da Comissão, deputada Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), que também ressaltou a necessidade de diálogo sobre o tema. Para ela, é necessário garantir que o uso das tecnologias na educação tenha parâmetros definidos e avaliação constante para garantir a qualidade no ensino.
“Eu não tenho preconceito contra o ensino a distância, mas não posso ignorar que ainda há muitas lacunas em relação à estrutura de acompanhamento, monitoramento e garantia do sistema de apoio à educação”, disse. Ela lembrou ainda que o Brasil tem disparidades em cobertura de internet e equipamentos.
“O mercado pode até controlar a qualidade dos profissionais formados, mas isso pode ocorrer com o custo de vidas animais”, alertou.
Apenas presencial
O presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária, Francisco Cavalcanti de Almeida, afirmou que o ensino à distância não pode ser permitido em qualquer hipótese nos cursos de graduação. Ele criticou a proposta em tramitação na Câmara e a Portaria 2117/19, do Ministério da Educação, que autoriza até 40% da carga horária total do curso na modalidade a distância.
“Não sou contra a tecnologia, mas, para o graduado em Medicina Veterinária, não. Para o já profissional, na sua pós-graduação, tudo bem. Ele já conhece a fisiologia, anatomia e comportamento do animal. Usar o ensino a distância na graduação é uma afronta”, afirmou.
Ele destacou que o curso de Medicina Veterinária é técnico e complexo, lidando com animais diversos e que não falam ao veterinário o que estão sentindo. Ele afirmou ainda que, mesmo presencial, a avaliação dos cursos pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) demonstrou que o ensino deixa a desejar. “O Enade 2019 analisou 211 cursos de Veterinária. Desses, apenas 16 conseguiram nota 5 [nota máxima]. E entre os de nota 1 e 2 são todos particulares. Todos presenciais. Imagine se fossem a distância?”, criticou.
Sem limite em lei
O diretor da Rede de Instituições Federais de Ensino Superior do Ministério da Educação, Eduardo Gomes Salgado, destacou que a Constituição garante a autonomia universitária e rebateu as críticas do Conselho Federal. “A portaria não obriga que seja 40% em EaD, mas autoriza até esse percentual para que as universidades e instituições tenham essa flexibilização”, disse.
Ele avaliou, no entanto, que a aprovação do projeto de lei com percentual fixo de até 10% limitado a conteúdos gerais pode dificultar a flexibilização do ensino para os estudantes. É a mesma opinião do presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, Joaquim José Soares Neto, e do vice-presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância, Carlos Longo. Os dois destacaram que o uso de tecnologias na educação superior virou uma realidade após a pandemia.
Soares Neto afirmou que as discussões sobre EaD na Câmara de Educação Superior do Ministério da Educação se amplificaram diante da pandemia em todos os cursos, inclusive nos da área de saúde. Ele destacou que a diretrizes curriculares nacionais do curso de Medicina Veterinária são modernas e garantem que atividades práticas sejam presenciais.
“Estabelecer percentual fixo e linear para os cursos por meio de uma lei não é prudente. Nós sabemos que mudar uma lei é difícil. À medida que a sociedade evolui, esses 10%, em vez de ajudar o desenvolvimento desses cursos, podem acabar virando um entrave. É preciso achar uma outra forma de tratar este assunto”, disse.
Já Carlos Longo destacou que a tecnologia na educação veio para ficar e analisou que uma lei não pode definir um percentual “certo ou errado” na modalidade de ensino a distância. “As universidades dificilmente vão conseguir trazer de volta os seus estudantes para ficar duas ou três horas por dia sentados em uma sala de aula. O mundo migra para uma educação híbrida”, afirmou.
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