A Comissão de Meio Ambiente (CMA) deu início nesta segunda-feira (7) ao Junho Verde, iniciativa do Senado com objetivo de aumentar a consciência ecológica na sociedade brasileira. O Junho Verde também faz alusão ao Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho. Na abertura, o presidente da CMA, senador Jaques Wagner (PT-BA), disse que a comissão pautará suas ações, nos próximos dois anos, para demonstrar que o Brasil não pode se pautar por um "falso debate" contrapondo desenvolvimento e preservação ecológica.
— Vivemos um momento em que o mundo inteiro dá uma guinada verde na economia, na produção de alimentos e na consciência de que nossa casa maior, o planeta Terra, pede socorro e grita contra maus-tratos que temos, como humanos, destinado a ele. É falsa a dicotomia entre desenvolvimento e preservação, temos inúmeros exemplos. Só na área da produção de alimentos posso citar a Holanda, com muita tecnologia produzindo em menos espaço, com menos consumo de água. E outras experiências, particularmente a agroecologia e a agricultura familiar, que tenho absoluta convicção que tem um lugar de destaque nestes anos vindouros. Exatamente por se capacitar a produzir mais organicamente, com menos defensivos e maior qualidade nutricional — frisou Jaques Wagner.
O agrônomo Paulo Petersen, da Articulação Nacional pela Agroecologia (ANA), concordou com o senador. Mas fez um alerta: a institucionalidade e organização socioeconômica do agronégocio nacional ainda é, na prática, dominado por essa "falsa dicotomia".
— Concebemos nossas instituições como se desenvolvimento fosse antítese de meio ambiente e vice-versa, conservação ambiental antítese da possibilidade de economias. E a gestão desses agro-ecossistemas está cada vez mais danosa ao meio ambiente. Então a lógica de organização social, técnica e econômica dos sistemas alimentares cada vez mais gera efeitos perniciosos sobre a ecologia, mesmo dos sistemas agrícolas, para falar do ponto de vista simplesmente da produção — alertou.
Petersen alertou também para o processo de reprimarização pela qual passa a economia brasileira, cada vez mais dependente de commodities, o que é explicitado nos números mais recentes do PIB, com ênfase num agronegócio controlado por megacorporações.
— Vamos desenvolvendo tecnologias que não nos servem, a serviço de aumentar a escala deste tipo de lógica. Semana passada comemorou-se com grande júbilo o aumento do PIB nacional, mas se formos analisar detidamente, desde a década de 1950 nós não tínhamos as commodities em primeiro lugar na geração do PIB. Pela primeira vez desde a década de 1950 estamos voltando, reprimarizando a economia com base no agronegócio, na grande mineração, que é altamente destrutiva. Não temos a menor condição de pensar numa agenda de 2050, de alimentar a população, se seguirmos neste caminho — disse o agrônomo, para quem o big business que comanda o agronegócio brasileiro não é sustentável a longo prazo.
O especialista enfatiza que o modelo dominante se desconecta da natureza e da sociedade onde está inserido, o que contribui para uma lógica baseada na devastação.
— O agrotóxico nada mais é que uma corrida contra a natureza. Precisaremos de mais agrotóxicos enquanto continuarmos fazendo agricultura da forma como fazemos. Com grandes monoculturas, cada vez maiores, mais extensas, que desempregam, não geram alimentação saudável e fazem com que nossa agricultura, cada vez mais, seja uma agricultura sem agricultores, totalmente vinculada a grandes cadeias de commodities e comandada pelo capital financeiro — salientou.
A socióloga Paula Johns, diretora da ONG ACT Promoção da Saúde, também fez críticas ao modelo estrutural do agronegócio brasileiro. Ela observa que os sistemáticos aumentos do PIB no setor contrastam com a situação social do país.
— Conseguimos tirar o Brasil do mapa da fome num passado recente por uma série de políticas públicas que foram adotadas. Mas lamentavelmente vivemos hoje numa outra situação, que é imoral. O Brasil se vende como o celeiro do mundo. Inclusive na Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU, se vende como um grande produtor, na verdade, de commodities, ao mesmo tempo em que tem praticamente 20 milhões da população literalmente passando fome, e mais de 100 milhões em insegurança alimentar — criticou.
A nutricionista Bela Gil também classificou de paradoxal o aumento da fome, não só no Brasil, mas em outras partes do planeta. Para ela, a fome de parcelas amplas da população obedece a uma função sociopolítica em sociedades estruturadas desigualmente.
— É triste vivermos num mundo com produção suficiente pra alimentar 10 bilhões de pessoas, e a gente ter mais de 800 milhões passando fome. Isso se dá pela concentração de terra e do controle da produção. A fome é estratégica na nossa sociedade, porque quem tem fome aceita qualquer coisa, aceita qualquer trabalho. Numa sociedade sem fome, conseguimos dar poder ao povo. E não necessariamente é isso que este sistema alimentar e econômico hegemônico quer. Como diz Josué de Castro, a fome no mundo não é um problema técnico, mas político — disse Bela Gil.
A nutricionista, também muito conhecida por suas participações na internet, TV e livros publicados, defendeu também uma maior tributação dos alimentos ultraprocessados. O vice-presidente da CMA, senador Confúcio Moura (MDB-RO), prometeu que apresentará um projeto de lei com este enfoque.