Enquanto os profissionais de imprensa se desdobravam para atender a alta demanda por informação de qualidade e transparência em meio à maior pandemia de saúde dos últimos tempos, o Brasil viu crescer, em 2020, os casos de violência contra os jornalistas. Segundo relatório divulgado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o ano passado foi considerado o mais violento para esses profissionais. O país também caiu quatro posições em um ranking internacional do Repórteres sem Fronteiras (RSF), entrou para a "zona vermelha" em termos de liberdade de imprensa e agora aparece na 111ª posição, entre 180 países avaliados.
O cenário de ameaças à liberdade de imprensa, com ataques cada vez mais frequentes aos jornalistas e aos meios de comunicação, levou senadores a apresentarem projetos que buscam punir mais severamente quem pratica esse tipo de crime.
Uma dessas iniciativas é o PL 2.813/2020, projeto de lei apresentado pelo senador Lucas Barreto (PSD-AP). Essa proposta prevê que quem cometer crime contra profissionais de imprensa que estiverem no exercício da sua profissão ou em razão dela pode ter a pena aumentada. O texto altera o Código Penal (Decreto nº 2.848, de 1940) para incluir a circunstância entre as agravantes genéricas.
"As agravantes genéricas são circunstâncias legais, de natureza objetiva ou subjetiva, que não integram a estrutura do tipo penal, mas que a ele se ligam com a finalidade de aumentar a pena. Optou-se pela agravante por alcançar maior espectro de tipos penais, a exemplo da lesão corporal, dos crimes contra a honra e contra a liberdade pessoal, dentre outros”, explica o senador ao justificar a proposta.
Ainda na justificativa, Lucas Barreto lembra que a violência contra profissionais da imprensa tem se tornado cada vez mais recorrente no país, atentando contra a liberdade de imprensa e a democracia, além de violar o livre exercício da atividade.
O senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), que é jornalista há quatro décadas, acredita que, caso os parlamentares aprovem projetos como o apresentado por Lucas Barreto, eles estarão “trabalhando para defender a democracia”.
— O Brasil está qualificado como um país em que é considerada difícil a situação para o trabalho dos jornalistas. A referência, para mim, é branda, afinal o Brasil, depois do México, é o país da América Latina com mais profissionais da imprensa mortos na última década. Fato absurdo num país democrático. A meu ver, mais um sinal revelador de que existe uma ação coordenada com o objetivo de minar a liberdade de imprensa, um dos pilares da democracia — observou ele em entrevista à Agência Senado.
A edição 2021 do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, elaborado pela Repórteres sem Fronteiras e publicado neste mês, indica que a situação no Brasil é considerada pior que a de países como Bolívia, Mauritânia, Guiné-Bissau, Equador, Ucrânia, Libéria, Paraguai, Etiópia e Moçambique, além de se aproximar de cenários como os de Congo, Gabão e Nigéria.
Outro projeto de lei em tramitação no Senado, o PL 2.874/2020, altera o Código Penal para aumentar de um a dois terços a pena para o crime de lesão corporal, quando praticada contra jornalistas e profissionais de imprensa no exercício da sua profissão ou em razão dela. O texto também prevê que esse agravamento da pena será aplicado nos casos de agressões a familiares dos jornalistas. O autor da proposta é o senador Weverton (PDT-MA).
Na justificativa do projeto, o senador lembra que no ano passado, no dia 3 de maio, data em que se comemora o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, jornalistas foram agredidos durante ato realizado em frente ao Palácio do Planalto.
“Na ocasião, o fotojornalista Dida Sampaio, funcionário do Estadão, foi derrubado por um grupo de manifestantes por duas vezes, chutado pelas costas e socado no estômago. Marcos Pereira, motorista do jornal, também foi agredido no mesmo dia, assim como funcionários do jornal Folha de S.Paulo, do site Poder360 e outros profissionais da imprensa. No dia anterior, o cinegrafista da TV Record Robson Willian da Silva já havia sido agredido por manifestantes apoiadores do governo, em frente à sede da Polícia Federal em Curitiba”, ressalta Weverton, que ressaltou o papel da imprensa para o funcionamento da democracia.
O senador Carlos Viana (PSD-MG), que também é jornalista, afirma que os ataques de radicais, sejam eles de direita ou esquerda, ocorrem há muito tempo. Para ele, o crime contra o exercício da liberdade de imprensa é intolerável, independentemente de ideologias ou posicionamentos políticos.
— Fui várias vezes ameaçado e até agredido verbalmente por militantes desacerbados da esquerda. Portanto, o papel da imprensa, que é divulgar, fazer as pessoas conhecerem a realidade, sempre sofrerá os ataques de um lado ou de outro e levará ao desagrado daqueles que não gostam de ver as notícias publicadas. Mas hoje, no Brasil, nós precisamos deixar claro que, independentemente da posição ideológica, esquerda ou direita, nós não toleramos e não vamos tolerar os crimes contra aqueles que produzem notícias no nosso dia a dia — disse ele à Agência Senado.
Tramitando há mais tempo no Senado, o PLS 329/2016, projeto de lei do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), indica que esse cenário de violência contra jornalistas vem se agravando nos últimos anos. A iniciativa tem o objetivo de transformar em crime hediondo o homicídio desses profissionais em razão da sua atuação. A punição para crimes hediondos é mais dura e não permite, por exemplo, direito a anistia, graça e indulto. O senador afirma, na justificativa da sua proposta, que a violência contra profissionais de imprensa é uma afronta à liberdade de expressão e, por isso, nociva à democracia.
“Não podemos mais admitir que essa situação se prorrogue. Nesse sentido, apresentamos este projeto para agravar a resposta penal aos homicídios praticados contra jornalistas em razão de sua profissão. Estando o tipo relacionado como crime hediondo, o agente poderá ser demovido da ideia de praticar a conduta delituosa, sob pena de suportar a severidade do regime”, argumenta Acir Gurgacz .
Na avaliação do senador Jorge Kajuru, a troca de comando na chefia do Poder Executivo, com a eleição presidencial de 2018, mudou a situação da imprensa no país. Ele destaca que o presidente Jair Bolsonaro critica de forma sistemática os órgãos de imprensa e demonstra que um “dos objetivos de seu governo é acabar com a credibilidade de todo o trabalho jornalístico”.
— Nessa missão, conta ainda com a proliferação das chamadas fake news nas redes sociais dos adeptos do presidente e seus filhos, sempre com o objetivo de criar contraposições ao que é divulgado pelos órgãos de imprensa. Sobre isso, cabe ao Legislativo agir, sedimentando as condições para que as plataformas tenham os mecanismos para conter a divulgação em massa de mentiras — ressaltou.
Kajuru ainda defendeu o jornalismo de qualidade com independência financeira, investimentos, pluralismo e diálogo com o público consumidor de informação como caminho para combater a proliferação de notícias falsas.
Kajuru avalia que, além de aprovar projetos, o Congresso Nacional pode contribuir ainda mais para as garantias e seguranças do exercício dessa profissão ao fortalecer a atuação do Conselho de Comunicação Social, criado pela Constituição de 1988. Esse conselho é um órgão auxiliar do Congresso Nacional, composto por 13 titulares e 13 suplentes, que tem entre as suas atribuições a realização de estudos, pareceres e o encaminhamento de outras solicitações dos parlamentares sobre liberdade de expressão, monopólio e oligopólio dos meios de comunicação e sobre a programação das emissoras de rádio e TV.
— Acredito que esse conselho, assim que abrandar a pandemia do novo coronavírus, tem a obrigação de promover um grande seminário sobre a situação da imprensa no país. Todos os envolvidos na questão devem ser chamados para discutir como fortalecer o jornalismo e proteger os profissionais do setor, sobretudo fora dos grandes centros urbanos. Isso a partir de uma perspectiva bem objetiva: quanto mais tivermos liberdade de imprensa, menos sujeito estaremos às ações de líderes autoritários — ressaltou.
O Conselho de Comunicação Social teve nova composição aprovada pelos congressistas em março do ano passado, mas, com a pandemia, as discussões e os estudos acabaram prejudicados.