Traduzido por Julio Batista
Original de Carlos Mandujano (AFP) para o ScienceAlert
Tendo sobrevivido por 5.000 anos, o sítio arqueológico mais antigo das Américas está sob a ameaça de invasores que afirmam que a pandemia do coronavírus os deixou sem outra opção a não ser ocupar a cidade sagrada.
A situação se agravou tanto que a arqueóloga Ruth Shady, que descobriu o sítio Caral no Peru, foi ameaçada de morte se não abandonar a investigação dos tesouros da cidade.
Arqueólogos disseram a uma equipe da AFP em visita a Caral que as invasões e destruição dos posseiros começaram em março, quando a pandemia forçou um lockdown nacional.
“Tem gente que vem e invade este local, que é propriedade do Estado, e o utiliza para plantar”, disse o arqueólogo Daniel Mayta à AFP.
“É extremamente prejudicial porque eles estão destruindo evidências culturais de 5.000 anos.”
Caral está situada no vale do rio Supe, cerca de 182 quilômetros ao norte da capital Lima e 20 km do Oceano Pacífico a oeste.
Desenvolvida entre 3.000 e 1.800 a.C. em um deserto árido, Caral é o berço da civilização nas Américas.
Seu povo era contemporâneo do Egito faraônico e das grandes civilizações mesopotâmicas.
É anterior ao muito mais conhecido império Inca que surgiu 45 séculos depois.
Nada disso importou para os invasores, que aproveitaram a vigilância policial mínima durante 107 dias de lockdown para tomar mais de 10 hectares do sítio arqueológico de Chupacigarro e plantar abacates, árvores frutíferas e feijão-de-lima.
“As famílias não querem ir embora”, disse Mayta, de 36 anos.
“Explicamos a eles que este local é um Patrimônio Mundial (UNESCO) e o que eles estão fazendo é sério e podemos levá-los para a cadeia.”
Shady é diretora da zona arqueológica de Caral e administra as investigações desde 1996, quando as escavações começaram.
Ela diz que os traficantes de terras – que ocupam terras estatais ou protegidas ilegalmente para vendê-las para o lucro privado – estão por trás das invasões.
“Estamos recebendo ameaças de pessoas que estão aproveitando as condições da pandemia para ocupar sítios arqueológicos e invadir para estabelecer cabanas e lavrar a terra com maquinários… eles destroem tudo que encontram”, disse Shady.
“Um dia ligaram para o advogado que trabalha conosco e disseram que iam matá-lo, que iam me matar também e nos enterrar cinco metros abaixo do solo” se o trabalho arqueológico continuasse no local.
Shady, 74, passou o último quarto de século em Caral tentando trazer de volta à vida a história social e o legado da civilização, como por exemplo as técnicas de construção que usaram e resistiram aos terremotos.
“Essas estruturas de até cinco mil anos se mantiveram estáveis até o momento e os engenheiros estruturais do Peru e do Japão aplicarão essa tecnologia”, disse Shady.
Os habitantes de Caral entenderam que viviam em território sísmico.
Suas estruturas tinham cestos cheios de pedras na base que amorteciam o movimento do solo e evitavam que a construção desabasse.
As ameaças obrigaram Shady a morar em Lima sob proteção.
Ela recebeu a Ordem do Mérito do governo na semana passada por seus serviços prestados à nação.
“Estamos fazendo o que podemos para garantir que nem sua saúde nem sua vida estejam em risco devido aos efeitos das ameaças que você está recebendo”, disse o presidente do Peru, Francisco Sagasti, na cerimônia.
Caral foi declarada Patrimônio Mundial da UNESCO em 2009.
Ela se estende por 66 hectares e é dominada por sete pirâmides de pedra que parecem se iluminar quando os raios do sol incidem sobre elas.
Acredita-se que a civilização tenha sido pacífica e não usava armas nem muralhas.
Fechada devido à pandemia, Caral reabriu aos turistas em outubro e custa apenas 15 reais para visitar.
Durante o lockdown, várias peças arqueológicas foram saqueadas na área e, em julho, a polícia prendeu duas pessoas por destruir parcialmente um local que continha múmias e cerâmica.
© Agence France-Presse