No domingo (16), uma adolescente de 17 anos postou um vídeo nas redes sociais mostrando o assédio que sofreu de um motorista do aplicativo Uber durante uma corrida. O caso, que aconteceu em Viamão, região metropolitana de Porto Alegre (RS), ganhou repercussão na internet e na imprensa após a filmagem viralizar e o motorista foi banido da plataforma. A jovem também abriu um boletim de ocorrência contra o homem.
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No vídeo, adolescente está gravando o assédio com a câmera do celular virada para o próprio rosto. O motorista, identificado como André Lopes Machado, de 43 anos, diz que poderia namorá-la se ela não tivesse namorado. Ela responde que é menor de idade e ele afirma que "não seria um problema".
"Seria problema se tivesse 13 anos, e acho que tu não tem 13 anos, 14 para cima tu já é responsável", continua. Ela diz que o motorista tem idade para ser pai dela e ele insiste: "Não sou teu pai nada". Ela continua: "Mas tem idade". Então, ele afirma: "Eu faria coisas que teu pai não faria. Pode ter certeza."
A adolescente tenta colocar um fim na conversa afirmando que não tem interesse. "Estou só brincando, eu não estou dizendo que você deveria ter interesse", responde o motorista.
Em nota, a Uber considerou a atitude "inaceitável": "A empresa acredita na importância de combater, coibir e denunciar casos dessa natureza às autoridades competentes. A conta do motorista parceiro foi banida assim que a denúncia foi feita", afirma a a plataforma.
Após ser sido denunciado, o motorista tentou justificar a postura que teve durante a viagem. "No vídeo que ela postou me denegrindo ela está sorrindo e em posições que eu prefiro não citar. Ela também estava usando um short tipo Anitta , pernas abertas, chamando atenção", disse em entrevista divulgada por emissoras de TV e na web.
No Twitter, a cantora se pronunciou sobre a fala e ressaltou que "nada justifica assédio"."A forma de se vestir, sentar, falar etc não significa qualquer autorização ou pedido ou convite a ser assediada e/ou invadida, abusada, estuprada etc", disse Anitta.
Ao Delas , a advogada Ana Paula Braga, sócia e co-fundadora do escritório de advocacia especializado em direito das mulheres e desigualdade de gênero Braga & Ruzzi, explica que enquanto a paquera envolve interesse mútuo, o assédio acontece quando não há consentimento expresso e explícito.
"Se a mulher disse não, ou simplesmente não disse nada, é não também. Qualquer ato que cruze essa linha é violência. O fato de uma mulher se vestir ou portar de determinada forma não deve ser visto como motivo para violar sua autonomia e dignidade sexual", comenta.
Isso significa que não, a atitude da mulher não é o que motiva o assédio. Porém, a discussão sobre a "justificativa" do motorista de aplicativo vai além e se torna uma caso de culpabilização da vítima, ou seja, houve uma tentativa de responsabilizar a adolescente pelo assédio sofrido.
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"A culpabilização da vítima está inserida no que chamamos de 'cultura do estupro', que coloca as mulheres como objetos sexuais, à disposição e submissão do homem. É tornar a vítima (em geral, a mulher) responsável pela violência sofrida e naturalizar o comportamento violento do agressor", diz a advogada.
"Argumentos sobre a conduta, comportamento, forma de se vestir da mulher que foi violentada tiram o foco do fato de que há um agressor, que agiu contra a vontade dela, que se aproveitou de uma situação de fragilidade, que fez com ela atos não consentidos. Como se as atitudes da mulher levassem o homem a agir de forma violenta, e como se a reação masculina fosse o esperado", comenta Ana Paula.
Segundo ela, o tópico deve ser levantado para trazer uma reflexão sobre quem cometeu o ato violento e criminoso. "Não foi a mulher ao se vestir ou se portar de determinada maneira. Ela está na liberdade dela. Foi o homem que não respeitou seu consentimento e violou sua dignidade sexual. Precisamos parar de jogar a responsabilidade das violências nas vítimas, e culpar quem de fato a praticou."
Existem leis para punir crimes como assédio e importunação sexual e, segundo a especialista, a denúncia é a forma de responsabilidade o agressor. "Importunação sexual é crime, e pode gerar tanto uma condenação criminal para o agressor, como uma reparação por danos morais para a vítima."
Além disso, é a partir de denúncias que casos de violência contra a mulher ganham mais visibilidade, permitindo que as autoridades obtenham estatísticas e pautem políticas de combate e prevenção.
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O boletim de ocorrência pode ser feito na Delegacia da Mulher, onde será aberta uma investigação para apurar os fatos e colher as provas. Assim como no caso de assédio no Uber, filmar ou gravar em áudio a situação pode servir como provas para a denúncia criminal. Informações da corrida, como nome do motorista, placa e modelo do carro, horário da corrida e trajeto, também ajudam a fazer uma denúncia administrativa à plataforma.