Em retaliação ao teto de preços imposto pelo Ocidente e ao embargo às exportações de petróleo bruto e derivados, a Rússia planeja, a partir de março, cortar sua produção em 500 mil barris por dia, ou seja, 5% da produção atual total.
Embora seja improvável que a medida tenha impacto global de longo prazo no preço da matéria-prima, cortes de produção adicionais podem elevar os preços, num momento em que a reabertura da China, após o fim da política de covid zero, deverá aumentar a demanda pelo combustível.
Isso poderia minar o teto de preços apoiado pelos países do G7, que visam garantir que o petróleo russo continue fluindo no mercado global e evitar picos de preço, enquanto as economias do grupo das maiores economias lutam contra a inflação alta.
"A Rússia pode estar tentando usar o petróleo como arma, assim como fez com o gás natural no ano passado", avalia Simone Tagliapietra, especialista em política energética da think tank Bruegel, de Bruxelas.
Importante fonte de receita para a Rússia, a produção de petróleo se manteve resistente diante das inéditas sanções impostas pelo Ocidente após a invasão da Ucrânia. Na verdade, em 2022 a produção média de petróleo russo aumentou 1,5%, em relação ao ano anterior, para 10,7 milhões de barris por dia, com Moscou redirecionando o combustível banido pelo Ocidente a outros países, principalmente Índia e China.
No entanto, o teto de preços para as exportações dificultou a manutenção dos embarques nos níveis atuais. Essas restrições não somente forçaram produtores russos a vender seu petróleo com grandes descontos para poucos compradores, mas também os expuseram a altas nos custos de seguro e frete, devido à escassez de navios-tanques.
"Ao reduzir o volume de produção, a Rússia tornará o mercado favorável ao vendedor, em vez de ao comprador. Pelo menos, isso é uma das coisas que Moscou espera", diz Bjarne Schieldrop, diretor-analista de commodities no banco sueco SEB.
A Rússia apresentou o corte como sendo um movimento "voluntário", mas muitos especialistas avaliam que Moscou foi forçada a tomar essa decisão devido às sanções. Algumas perdas de produção já eram esperadas, porém até agora Moscou conseguiu contorná-las.
Além disso, enquanto buscam novos compradores, os produtores russos de petróleo também enfrentam a falta de espaço para armazenamento da produção, pois os navios-tanques levam muito mais tempo para fazer as entregas em destinos mais distantes na Ásia.
A Rússia não possui instalações de armazenamento suficientes, e estocar petróleo no exterior, em lugares como Fujeira, nos Emirados Árabes Unidos, é caro.
"Parece que se avaliou a quantidade de petróleo e derivados que poderia ser vendida para esses países [que aderiram ao limite de preços] e se decidiu reduzir a produção à quantidade correspondente, para garantir que as exportações russas sejam dirigidas apenas a Índia, China, Turquia e outras nações que não aderiram ao limite", deduz Tatiana Orlova, economista-chefe na Oxford Economics.
Com as sanções ocidentais sobre o petróleo pesando nas finanças, o déficit do orçamento russo subiu para 25 bilhões de dólares em janeiro – o maior déficit para janeiro em anos. As receitas de petróleo e gás caíram quase pela metade, 46%, segundo dados do Ministério de Finanças de Moscou.
Neste cenário, especialistas avaliam que o país tem interesse que os preços do petróleo subam significativamente. Isso não apenas aumentaria suas receitas, compensando a redução das exportações, mas também pressionaria ainda mais as economias ocidentais atingidas pela inflação.
Para piorar as coisas para o Ocidente, a Rússia tem espaço para cortar ainda mais sua produção. No início de fevereiro, ela ficou em 10,9 milhões de barris por dia, mas o orçamento foi baseado em cerca de 9,8 milhões de barris, segundo Alexander Isakov, da Bloomberg Economics.
"Essa ação [corte na produção de março] pode ser o primeiro sinal de uma tentativa de pressionar o mercado. Em geral, não me surpreenderia de vê-los usando o mercado de petróleo, como tentaram fazer com o gás", opina Tagliapietra.
A Rússia já foi acusada pelo Ocidente de usar o gás natural como arma, quando o exportador russo Gazprom cortou a maior parte do fornecimento para Europa alegando motivos, muitas vezes, pouco convincentes, como dificuldades técnicas e de pagamento.
Autoridades ocidentais viram os cortes como uma tentativa de Moscou para alavancar sua posição como maior fornecedor de gás natural para a União Europeia (UE) – em 2021, a Rússia forneceu cerca de 45% do gás importado pelo bloco – e como uma retaliação contra a UE pelo apoio à Ucrânia.
O movimento disparou o preço do gás natural na UE, alcançando níveis sem precedentes e impulsionado a inflação, e atrapalhou a recuperação econômica do pós-pandemia. Mas a dor diminuiu bastante desde então.
A Europa conseguiu substituir a demanda antes suprida pela Rússia buscando outras fontes, como os Estados Unidos, Noruega e Catar, e controlou a demanda com apagões e racionamento de energia. Os preços de gás caíram drasticamente, com ajuda do clima ameno e do consumo menor, apesar de permanecerem bem acima do valor registrado no início de 2021.
"A principal lição desta situação foi que o uso do gás como arma foi um sucesso, mas apenas por um breve período", avalia Schieldrop. "Assim, basicamente o saber histórico sobre usar o fornecimento de energia como arma é que isso não funciona. A Rússia tem muito medo do uso do petróleo como arma porque o efeito pode ser muito passgeiro."
Moscou pode ter ainda mais dificuldades de colher os frutos dessa manobra com o petróleo, por este ser mais fungível e disponível globalmente – o que torna mais fácil a busca por fornecedores alternativos, como já foi o caso em 2022.
Além disso, há a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que inclui Rússia e Arábia Saudita. A aliança já decidiu não repor os barris de petróleo perdidos devido à decisão unilateral russa, que elevou os preços de referência do petróleo Brent para mais de 85 dólares por barril.
Mas a postura da aliança pode mudar, se a Rússia fizer novos cortes unilaterais, elevando os preços a um nível que comece a ameaçar a demanda. "Potencialmente haverá uma resposta da Opep para compensar, e isso resultará numa perda para a Rússia", avalia Schieldrop.
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