Alternativa barata encontrada por muitos brasileiros para substituir a carne como proteína nas refeições, o ovo de galinha se tornou artigo de luxo disputado em vários países. O motivo é a escassez global na produção, que fez o produto sumir das prateleiras dos supermercados.
A crise afeta Estados Unidos, México, Nova Zelândia e alguns países da Europa, como Reino Unido. A escassez e o aumento de preços dos ovos se dá por conta de um surto de gripe aviária. Porém, outros fatores também contribuem para o cenário. Na Europa, um dos fatores é o aumento no custo da produção de ovos, desencadeado pelo aumento no preço da energia elétrica no continente, gerado pelas medidas adotadas pelos governos europeus em meio ao conflito na Ucrânia.
Já na Nova Zelândia, uma mudança na legislação do país, em vigor desde janeiro deste ano, proibiu a criação engaiolada de aves poedeiras, também chamadas aves de postura, que são as galinhas usadas na produção de ovos para o consumo. Com a nova legislação, produtores tiveram de se adaptar, o que gerou aumento de custos.
No recorte do Brasil, o ovo de galinha segue disponível nos supermercados, mas a um preço mais elevado. O preço do produto aumentou 18,45% em relação a 2022, segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para entender se a crise de escassez de ovos pode chegar ao Brasil, e se o recente aumento de preços está relacionado ao que ocorre ao redor do mundo, a Sputnik Brasil conversou com Luis Rua, diretor de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), e com a professora de economia Cristina Helena Pinto de Mello, doutora e mestre em economia de empresas pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
Luis Rua confirma que vários países do mundo enfrentam uma situação bastante complexa em relação à escassez de ovos, e que a causa principal é o surto de gripe aviária.
"Os EUA estão enfrentando o pior surto de gripe aviária de sua história. Mais de 60 milhões de aves já foram abatidas sanitariamente, em mais de 47 estados. Por sua vez, a Europa também atravessa uma crise bastante complexa", diz Rua.
Cristina Mello destaca que o abate massivo de aves de postura nos EUA fez o preço do ovo disparar no país.
"Houve um abate massivo [de aves] por conta de doença. Então teve uma quebra na oferta muito significativa da produção de ovos. Eu acabei de voltar dos Estados Unidos e uma caixa de ovos, aquela bandeja maior, estava custando US$ 27, ou seja, R$ 100. Muito caro", diz a professora.
Ela acrescenta que, "no caso do Brasil, as condições de criação de aves são diferentes, com bastante cuidado", o que protege o país do surto da doença e de ter de promover um abate massivo, como ocorreu nos EUA. "Eu acredito que a gente não corre um risco tão grande de ter que abater o conjunto total de aves que a gente que tem."
Rua compartilha da opinião de Mello, e ressalta que "o Brasil nunca teve um caso de gripe aviária".
"O Brasil tem feito um trabalho excepcional de biosseguridade, em conjunto com o Ministério da Agricultura, empresas associadas, a ABPA, que tem, inclusive, um grupo especial de prevenção de gripe aviária."
Segundo Rua, esse trabalho foi intensificado nos dois primeiros meses deste ano, que ele aponta como "os mais críticos para a incidência de gripe aviária".
"O Brasil não tem gripe aviária, mas na eventualidade de um caso, está se preparando. Temos visto o que tem sido feito em várias partes do mundo, as melhores práticas para contenção da enfermidade. E temos uma equipe altamente qualificada na Secretaria de Defesa Agropecuária, no Departamento de Saúde Animal, que junto com o setor privado tem trabalhado para primeiro evitar, e, no caso de uma ocorrência, ter condições de suprimir tão brevemente o foco."
Vai faltar ovos no Brasil?
Questionado se o Brasil corre risco de enfrentar escassez de ovos, Rua descarta a possibilidade.
"O Brasil não tem risco de falta de ovo, é importante a gente deixar isso claro. Nossa produção deve ficar próxima de 51 bilhões de unidades produzidas, isso significa aproximadamente 1.500 ovos produzidos por segundo. O brasileiro continuará comendo mais do que a média mundial de 230 ovos. É esperado que o brasileiro consuma algo como 240 ovos neste ano de 2023."
"O Brasil mantendo esse estado sanitário de excelência, naturalmente fará com que a gente tenha mais demanda em diversos países do mundo. O México, por exemplo, maior consumidor per capta de ovos do mundo, já começa a importar do Brasil. Isso é um sinal bastante positivo para os produtores, que vêm sofrendo nesses últimos anos com os custos de produção do milho e do farelo de soja muito elevados, que têm feito com que muitos produtores tenham deixado ou reduzido a sua participação na atividade."
"Não deverá haver qualquer problema em relação ao fornecimento interno, porque no Brasil aproximadamente 99,5% do que nós produzimos [de ovos], fica aqui no mercado brasileiro, e 0,5% vai para exportação. Então, o mercado brasileiro é praticamente dominante quando a gente fala da produção dos nossos ovos. Existem essas oportunidades de exportação, mas elas devem ser um incremento residual no percentual do total produzido pelo Brasil."
Cristina Mello, por sua vez, explica que "existe, de fato, a possibilidade de elevar as exportações de ovos, só que os caminhos não são tão simples". Isso porque exportar implica trâmites burocráticos e em preparo com antecedência, o que leva tempo.
"É uma janela de oportunidade sim, eu vejo uma possibilidade de aproveitamento. Mas como ela é custosa em termos de processo, de procedimentos, o tempo que demora para o Brasil estabelecer um procedimento regular, com fluxo de exportação de ovos é mais ou menos o necessário para que esses países recomponham a sua capacidade de ofertar ovos. Então, eu acho que, por uma questão de tempo, essa é uma oportunidade para a qual a gente não estava preparado para aproveitar, eu acho que ela [a janela de oportunidade] fica menor."