Para a baiana Claudia Souza, 38 anos, e a paulista Deise Lima, 28 anos, o amor vence qualquer barreira — até mesmo a geográfica. Há alguns anos, elas vivem um relacionamento à distância com seus parceiros e, desde o início da pandemia, vêm tendo que se adaptar a uma situação inusitada que tornou tudo ainda mais desafiador: o fechamento das fronteiras para brasileiros.
Claudia está há seis meses longe do namorado, o norte-americano Richard, que em janeiro tirou férias do trabalho e aproveitou a brecha para vir ao Brasil. Já Deise não vê o noivo, Stefano, desde dezembro do ano passado, quando a Itália permitiu brevemente a entrada de brasileiros que mantivessem uma união estável com um cidadão italiano ou residente no país.
"Como eu trabalho remotamente, eu viajava para os EUA o tempo todo até março do ano passado", afirma Claudia. "Da última vez, me planejei para ficar dois meses, e quando estava na hora de ir embora, veio a pandemia. Voltei achando que toda essa situação estaria perto do fim, mas não foi isso que aconteceu."
"Antes de dezembro, conseguimos nos ver também em fevereiro, quando tirei férias em dezembro e consegui ir à Itália. Só que, para a minha infelicidade, eu cheguei lá um dia antes do primeiro caso de covid ser registrado no país e acabei tendo que voltar antes do previsto", diz Deise.
Atualmente, tanto os Estados Unidos quanto a Itália, bem como a maioria dos outros países do mundo, estão permitindo a entrada somente de brasileiros que sejam casados oficialmente com um nativo ou residente no país.
Em dezembro, no entanto, cedendo à pressão do movimento "Love is not tourism" ("Amor não é turismo"), a Itália abriu as fronteiras também para aqueles que pudessem comprovar uma união estável — decisão que logo foi revista devido à disseminação da variante de Manaus.
Claudia e Deise descobriram o movimento pelas redes sociais e, a partir dele, conheceram outras histórias e formaram uma rede de apoio. O principal objetivo da iniciativa, no entanto, é pressionar os governos de diversos países a permitir o reencontro de casais binacionais, seguindo todos os protocolos de higiene e segurança.
Segundo as brasileiras, existem diversas comunidades no Facebook e grupos no WhatsApp, nos quais as pessoas se organizam para fazer "tuitaços" (chuva de publicações sobre um assunto no Twitter) e pedir às autoridades dos respectivos países que as deixem passar pelas fronteiras. Enquanto o grupo de Claudia focou toda a sua estratégia na internet, Deise e sua turma chegaram a escrever uma petição ao governo da Itália.
"Até onde eu sei, o pessoal nunca se organizou para enviar uma petição ao governo dos Estados Unidos ou algo do tipo", afirma Claudia. "As pessoas vivem se manifestando no Twitter, mas as autoridades nunca deram a mínima."
"Nós reunimos várias histórias e enviamos um e-mail ao governo, ressaltando nossos argumentos e deixando claro que não queríamos ir para sair e aglomerar, mas sim para ficar em casa com aqueles que amamos", diz Deise.
"Houve casos de mulheres que deram à luz longe de seus parceiros, pessoas que perderam seus companheiros e não puderam ir ao enterro. Muita gente teve crises de ansiedade, depressão. Levantamos tudo isso", completa.
Após seis meses longe do namorado, Claudia deve enfim se reencontrar com Richard no próximo dia 26. Ele conseguiu tirar férias e ficará no Brasil por seis dias, período no qual conhecerá Salvador e depois seguirá com a brasileira para a Praia do Forte, também na Bahia.
Claudia conta que pretende aproveitar ao máximo o reencontro, uma vez que não sabe quando poderá rever o namorado passados esses dias. Mesmo que, em um futuro próximo, as fronteiras sejam reabertas para brasileiros, seu visto norte-americano está vencido e ela tem encontrado bastante dificuldade para marcar a renovação do documento no consulado brasileiro.
"Comecei a marcar para renovar meu visto em julho do ano passado e, desde então, já fui desmarcada 8 ou 9 vezes. A cada vez que minha renovação era cancelada, era um banho de água fria. Da última vez que isso aconteceu, levei cinco dias para assimilar o baque e contar para ele", afirma.
Deise está com todos os documentos em dia, mas, ao contrário de Claudia, não tem previsão de quando poderá rever o noivo. Stefano, coordenador de vendas em uma cadeia de hotéis, trabalha presencialmente e ainda deve demorar um tempo para sair de férias.
A paulista agora aguarda ansiosamente os próximos decretos quanto às restrições de turismo na Itália e espera que o governo autorize a passagem de brasileiros pelas fronteiras o quanto antes. Ela acredita, no entanto, que a tão aguardada medida não deva entrar em vigor tão já.
"Essa incerteza é agoniante e, infelizmente, levou muitos casais a acabarem se separando. Viver um relacionamento à distância não é fácil — é preciso ter certeza de que é isso mesmo que você quer. No nosso caso, a distância só nos fortaleceu e nos fez crescer como casal", diz.
Para entrar em países que estão permitindo a entrada somente de brasileiros que sejam casados oficialmente com um nativo ou residente no país, muitos podem pensar que uma alternativa viável seja realizar um casamento por procuração — tipo de matrimônio em que os envolvidos não estão fisicamente presentes.
A oficialização da união, no entanto, não seria o suficiente para resolver o problema, uma vez que o casamento deve estar de acordo com a legislação migratória de cada país, segundo o professor de Direito Internacional da Facamp (Faculdade de Campinas), Sérgio Sipereck.
No Brasil, por exemplo, é possível casar por procuração, mas o cônjuge precisa não só provar o vínculo com o brasileiro, como também ter deferido o processo de residência no país. Só depois de concluídos esses processos é que a pessoa adquire o direito de entrar no Brasil sem as restrições para estrangeiros.
"Vale ressaltar, no entanto, que todo esse cenário deixou de ser regulado por leis ordinárias e passou a ser regulado por regras emergenciais impostas pela pandemia. O assunto passou, portanto, a ser muito mais de cunho político do que jurídico", afirma.
O processo para entrar em países que estão permitindo a entrada de brasileiros que mantenham uma união estável com um nativo ou residente, por sua vez, já é muito mais simples, visto que passa apenas e tão somente por questões burocráticas. O conceito do que configura união estável, no entanto, não é universal e varia muito de acordo com cada país.
No Brasil, não há um tempo mínimo estabelecido que um relacionamento deva ter para que seja enquadrado como união estável — diferentemente da Itália, por exemplo, que estipula um período de pelo menos três meses. Aqui, o status é descrito como a união entre duas pessoas que têm intuito de formar família e pode ser comprovado por meio de diversos documentos.
"Estes podem ser fotos, correspondência no mesmo endereço, conta conjunta e assim por diante. São válidos quaisquer meios capazes de provar que existe uma união duradoura com a intenção de ser definitiva para constituir uma família", diz.
*Estagiária do R7 sob supervisão de Pablo Marques