Carlos Fernando Chamorro, um dos jornalistas mais importantes da Nicarágua, fugiu do país após ter sua casa invadida na noite de segunda-feira (21/6). Editor do site Confidencial e membro de uma das famílias políticas mais influentes do país, Chamorro disse na terça-feira que deixou a Nicarágua para “salvaguardar sua liberdade”.
“Exijo o fim deste assédio policial”, tuitou Chamorro. “Relatar a verdade não é crime”. O governo sandinista aumentou a repressão contra figuras da oposição e tem feito diversas prisões.
Dezenove pessoas, incluindo a irmã de Chamorro e quatro outros candidatos em potencial nas eleições presidenciais de novembro, foram presas no que o Departamento de Estado dos Estados Unidos chamou de “campanha de terror” do presidente Daniel Ortega contra potenciais adversários.
Muitos foram detidos sob uma legislação abrangente, que concede ao governo o poder de classificar os cidadãos como “traidores da pátria”.
ONU acompanha situação na Nicarágua e aponta “deterioração”
Dois outros jornalistas também foram detidos por supostos crimes contra o Estado. Miguel Mora, ex-diretor do jornal 100% Noticias, que renunciou no ano passado para concorrer à Presidência, foi preso na noite de domingo, horas antes de Miguel Mendoza, repórter esportivo e ex-prisioneiro político.
A polícia também informou que colocou a ex-primeira-dama María Fernanda Flores Lanzas, esposa do ex-presidente Arnoldo Aleman, em prisão domiciliar por supostos crimes contra o Estado.
“Prisões de alto nível e outras violações graves dos direitos humanos contra críticos parecem fazer parte de uma estratégia mais ampla para eliminar a competição política, reprimir a dissidência e preparar o caminho para a reeleição do presidente Daniel Ortega para um quarto mandato consecutivo.” Human Rights Watch
Michelle Bachelet, chefe dos direitos humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), descreveu as detenções como “arbitrárias” e disse na terça-feira que a situação na Nicarágua estava se deteriorando rapidamente. “Isso torna improvável que os nicaragüenses possam exercer plenamente seus direitos políticos nas eleições”, disse ela ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra (Suíça).
A atual onda de prisões começou com a detenção da irmã de Chamorro, Cristiana, ex-diretora da Fundação Violeta Barrios de Chamorro – uma ONG que promove a liberdade de imprensa e o jornalismo independente no país. Ela é investigada num suposto caso de lavagem de dinheiro.
A Fundação Violeta Barrios de Chamorro encerrou suas atividades em 5 de fevereiro por afirmar que não se submeteria à Lei de Agentes Estrangeiros, aprovada em outubro de 2020. O objetivo da lei é controlar os recursos externos que pessoas e organizações civis recebem de fontes internacionais.
A denúncia contra Cristiana Chamorro, que poderia ser a principal candidata a derrotar Ortega nas próximas eleições presidenciais, foi feita por meio da Lei de Agentes Estrangeiros. O envolvimento de jornalistas na investigação tem a ver com o apoio financeiro ou de outro tipo que a fundação em algum momento deu à imprensa ou a projetos jornalísticos.
Nenhum dos irmãos foi acusado, embora as autoridades digam que ambos estão sob investigação por irregularidades financeiras. A família representa uma história de oposição política e pessoal a Ortega, que busca seu quarto mandato consecutivo.
Em 1990, sua mãe, Violeta Barrios de Chamorro, derrotou Ortega para se tornar a primeira presidente não sandinista após a revolução de 1979.
Ortega voltou ao poder em 2006 e supervisionou as mudanças nas regras eleitorais que lhe permitiram concorrer a reeleições repetidas. Após um surto de agitação política sem precedentes em 2018, a polícia invadiu os escritórios da Confidencial e, no ano seguinte, Carlos Fernando Chamorro se exilou na Costa Rica por 11 meses. Ele voltou em 2020, mas os escritórios da empresa foram invadidos mais uma vez no início deste ano.
“Daniel Ortega fechou duas vezes a redação do Confidencial. Agora a polícia está invadindo minha casa ”, Chamorro tuitou na segunda-feira. “Eles não vão silenciar o jornalismo.”
Pedro Vaca, relator para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, condenou a repressão. “A escuridão em que o regime opera teme a luz do jornalismo independente”, disse ele.