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A Estrada da Morte: Projeto de Lei que pretende rasgar o Parque Nacional do Iguaçu também ameaça reabrir feridas da ditadura

O Deputado Vermelho (PSD), juntamente com o Senador Alvaro Dias (Podemos) e Jair Bolsonaro, apoiam o projeto de lei 984/2019. O PL pode abrir um rasgo no icônico parque que abriga as Cataratas do Iguaçu e de quebra, destruir partes conservadas de todos os parques brasileiros.

23/06/2021 às 20h38
Por: Redação
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A Estrada da Morte: Projeto de Lei que pretende rasgar o Parque Nacional do Iguaçu também ameaça reabrir feridas da ditadura

Numa noite de 1974, cinco homens que lutavam contra a Ditadura Militar brasileira - quatro brasileiros e um argentino - foram atraídos por dois agentes infiltrados do Exército para uma emboscada dentro da floresta do Parque Nacional do Iguaçu (PNI), no oeste do Paraná. Ao toque combinado pelos executores, um clarão se deu em meio à mata e tiros foram disparados. O quinteto morreu no local. Os infiltrados se jogaram ao chão e, como esperado, se safaram. Anos mais tarde, um deles, Otávio Rainolfo da Silva, contou detalhes da operação à Comissão Estadual da Verdade Teresa Urban. De acordo com relatos, os corpos do grupo foram enterrados em uma área acessível através da então Estrada do Colono.

A terrível história desta estrada ilegal, que parece teimar em não chegar ao fim, agora serve de pretexto para um também polêmico projeto de lei, proposto pelo deputado Vermelho (PSD-Pr), da região de Foz. Para não ser totalmente casuístico, Vermelho, que é do mesmo partido do governador paranaense Ratinho Júnior, resolveu que seria interessante possibilitar a categoria de “estrada parque” para todos os parques brasileiros. Assim, com a concordância do presidente da câmara dos deputados, Arthur Lira, conseguiu aprovar a “urgência” para que a matéria seja apreciada e votada ainda este mês.

Aluízio Palmar, revolucionário preso pela ditadura e banido do país pelo regime militar, lamentou o apoio do presidente ao projeto em entrevista ao Observatório de Justiça e Conservação. “O Parque Nacional do Iguaçu tem sido vítima de diversos tipos de agressões desde sua criação. Nos 50 anos em que moro em Foz do Iguaçu tenho assistido, além das violações e incompreensões, o uso dele como bandeira política por parte daqueles que deveriam ter a obrigação de levar informação e conhecimento sobre a importância de preservar esse espaço de conservação aos moradores da região”.

Palmar voltou ao Brasil após um período de banimento juntamente com outros 69 presos políticos em uma troca pelo Embaixador da Suíça no Brasil. Foram oito anos entre o exílio e a clandestinidade. No país, ele se formou jornalista, escreveu o livro ‘Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?’ e agora preside o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu. A obra narra justamente a busca pelo quinteto executado naquela noite de 1974 pelo Exército.

"Além da importância que o PNI tem como relicários de importantes biomas e abrigo de nossa fauna, ele possui sua importância histórica. Foi ali que o Centro de Informações do Exército - CIE, armou uma armadilha e executou a sangue frio um dos grupos que formaram a Resistência Brasileira à ditadura militar."

 

Armadilha para a morte

Joel José de Carvalho, Daniel Carvalho, José Lavecchia, Vitor Carlos Ramos eram militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), grupo que resistiu aos desmandos ditatoriais do governo militar golpista de 1964 e estava exilado na Argentina naquele ano de 1974. Lá, juntamente com o argentino Ernesto Ruggia, eles foram atraídos pela armadilha de Alberi Vieira dos Santos (agente colaborador da repressão infiltrado nos movimentos de resistência ao regime) e de Rainolfo, que fazia passar por motorista

O depoimento de Rainolfo revela uma trama arquitetada a sangue frio por ele e Alberi. Naquela noite de 13 de julho de 1974, Rainolfo fez as vezes de motorista do grupo e os trouxe para Foz do Iguaçu em uma Rural Willys supostamente para retomarem o enfrentamento à ditadura. No meio da mata, foram executados.

Trecho do depoimento de Otávio Rainolfo da Silva (ex-agente do Centro de Informações do Exército), à CNV e à Comissão Estadual da Verdade do Paraná – Teresa Urban, em 28 de junho de 2013:

“O sr. Otávio Rainolfo da Silva: — Quando deu naquele toco [local combinado para as execuções] já acendeu a luz, parecia um computador, acendeu, e eu também já sabia que era para deitar e eu deitei, os outros se assustaram, no meio de um mato daqueles, ver luz acender. Até eu me assustei, eu que sabia assustei, imagina quem não sabia.”

Para Rainolfo, os corpos estão enterrados na área próxima onde os guerrilheiros foram executados. Apesar disso, buscas já feitas no local pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), sediada na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, jamais os localizou.

O Massacre de Medianeira, como ficou conhecido o desfecho da missão da qual Rainolfo participou, ainda viria a vitimar um sexto integrante do grupo. Onofre Pinto acabou assassinado naquele mesmo ano e também em Foz do Iguaçu. Para a CNV, “há fortes indícios de que os fatos que se relacionam a esse caso e às ações da ditadura militar se conectam à colaboração entre os países do Cone Sul na repressão, cujo conjunto de ações foi denominado Operação Condor 8”.

 

46 anos depois, Bolsonaro volta a região do massacre

O presidente brasileiro veio a Foz do Iguaçu neste mês de abril. E na pauta do presidente um assunto que afronta a legislação vigente: a abertura de uma estrada dentro do Parque Nacional do Iguaçu. A revelação da pauta foi feita pelo próprio Bolsonaro, em um vídeo em que ele se encontra com o deputado federal Vermelho (PSD-PR), autor do projeto de lei que contempla essa ideia. No encontro, o chefe do executivo disse que havia conversado com o então presidente da Itaipu Binacional, o general Joaquim Silva e Luna, para tratar da “Estrada Parque”.

A Estrada a qual o mandatário nacional se referia seria uma nova obra onde antes existia a estrada do Colono, fechada em 1986 por decisão judicial já transitada em julgado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde 2001. Ou seja, que não cabe mais recursos. Trata-se de uma faixa de florestas com aproximadamente 18 km de extensão por seis metros de largura, no trecho mais importante para preservação do Parque Nacional do Iguaçu.

“Ela foi fechada porque diferentes autoridades do poder público entenderam que essa estrada foi propulsora de atividades de caça predatória, extração ilegal de madeira e palmito no interior da Unidade de Conservação (UC), e também incêndios florestais, isolamento geográfico da fauna em cada lado da estrada e risco à segurança fronteiriça”, alertou Angela Kuczach, bióloga da ONG Rede Pro UC.

O parecer do Ministério Público Federal apontou que a abertura de uma estrada no local poderia devastar, pelo menos, 20 hectares de Mata Atlântica e provocar diversos danos ambientais, como a morte de espécies nativas e o atropelamento de animais, além da facilitação do contrabando da região com a criação de uma nova rota de escoamento.

O PL 984/2019, pode ser entendido como mais uma de tantas “boiadas”, que infelizmente estão sendo aprovadas por este governo, referência esta feita ao Ministro Ricardo Salles e sua fala, já conhecidíssima no Brasil e até no exterior. Se aprovado aliás, o PL deve trazer mais reconhecimento internacional negativo ao Brasil em questões ambientais, uma vez que     desfigurar o segundo mais conhecido cartão postal brasileiro - que também recebeu o título Patrimônio da Humanidade pela UNESCO - é feito digno de nota pela imprensa mundial.

 

Riscos para os avanços conquistados

Do fechamento para cá, especialistas identificaram uma incontestável regeneração da vegetação nativa de Mata Atlântica, onde antes havia uma grande clareira linear cortando a

Unidade de Conservação. Isso fica evidente, por exemplo, com as onças-pintadas. Há pouco mais de dez anos, restavam entre nove e 11 delas no Parque do Iguaçu. Esse número foi aumentando ano a ano. Desde 2019, já foram identificadas 28 delas -- incluindo três filhotes.

Segundo Helio Secco, biólogo doutor no Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (UFRJ) e secretário Geral da REET Brasil (Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes), uma nova estrada “criaria novos ambientes decorrentes da modificação abrupta das condições do seu interior em direção a borda da vegetação em contato com a estrada (chamado efeito de borda).

“As bordas de florestas possuem propriedades distintas do interior da vegetação, como maior temperatura, menor umidade e maior incidência de eventos. Uma estrada, portanto, “promoveria a dominância de poucas espécies tolerantes, em detrimento de muitas outras espécies que evitariam esse ambiente e se afastariam da borda formada pela estrada”, analisou Secco.

O Parque Nacional do Iguaçu é a última grande área de Mata Atlântica de interior que ainda existe no sul do Brasil. Ele tem 185 mil hectares, abriga 550 espécies de aves, dezenas de répteis e mais de 120 mamíferos. É o único refúgio preservado da onça-pintada no sul do país. Trata-se de um dos biomas mais ameaçados do planeta e que qualquer porção de vegetação ainda em estado prístino é fundamental para a conservação de um conjunto único de espécies.

A área recebeu em 1986 o título de Patrimônio Natural da Humanidade. Mas a Unesco já alertou o país que pode tirar o título, caso avancem as discussões para a construção de uma nova estrada no local. Outra perda possível ICMS-Ecológico, por ser bastante chamativo: o Parque foi responsável pelo valor total de R$ 19.776.007,12 para os municípios de seu entorno, apenas em 2020, conforme dados do IAT. Esse total seria prejudicado em caso da construção da rodovia.

 

Estrada Parque ou Estrada da Morte?

A “estrada-parque” pretendida por Vermelho e apoiada por Jair Bolsonaro é uma figura inexistente na legislação brasileira. O conceito de estrada-parque, desenvolvido nos Estados Unidos, não tem a ver com abrir uma rodovia em unidade de conservação já existente. As estradas-parque são, na verdade, parques lineares, criados justamente ao longo de uma estrada, com objetivo de conservar a paisagem às margens.

Em geral, nesse tipo de caminho não é permitido o trânsito de veículos comerciais e pesados -- contrariando o discurso de que isso atrairia desenvolvimento econômico. E a velocidade é rigidamente controlada. São parques com valor educativo, cultural, recreativo ou panorâmico. São concebidos principalmente para proporcionar a contemplação de paisagens, conservando-se as vistas panorâmicas existentes às margens, que podem ser antigas fazendas, vilas, construções históricas.

As estradas-parque não são concebidas para conservar a natureza, como são os parques nacionais, como o Iguaçu. São ideias contraditórias. A iniciativa da estrada parque, além de totalmente ilegal - pois já há sentença transitada em julgado no sentido contrário (leia mais em https://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/forum/estrada-do-colono-uma-via-de-inseguranca-juridica-e-improbidade-legislativa-no-brasil/ ), pode  favorecer o deputado proponente do projeto, ele próprio dono de uma fábrica de asfalto na região, como contamos a seguir.

 

Mas quem é o Vermelho?

O deputado Vermelho, da base de apoio do governador Ratinho Jr. e de Bolsonaro, foi denunciado pela Operação Pecúlio, que investiga a existência de uma espécie de mensalinho na cidade de Foz do Iguaçu. Ele tem um projeto de lei que pretende criar uma nova modalidade de unidade de conservação, a Estrada-Parque, começando justamente na região do Parque Nacional do Iguaçu.

A família de Vermelho atua no ramo da mineração, concreto, pavimentação e construção pesada. O clã é proprietário, inclusive, da Construtora Coguetto Maria, cujos negócios são realizados justamente na região onde o parlamentar pretende autorizar a reabertura da estrada do colono.

Ele e o filho, inclusive, foram denunciados por usurpação de função pública pelo Ministério Público Federal dentro da denominada Operação Pecúlio, que investiga supostos pagamentos em uma prática conhecida como “mensalinho” a servidores e políticos na gestão do então prefeito de Foz do Iguaçu, Reni Pereira. Em 2017, o juiz federal Pedro Carvalho Aguirre Filho, da 3ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, absolveu a dupla alegando “provas insuficientes”. Mas o MPF recorreu da sentença ao TRF4 em 2018. Mas ainda não há nova decisão.

 

Riscos para a Itaipu Binacional

A usina de Itaipu Binacional, em que pese seu passivo ambiental histórico pela inundação do Parque Nacional das Sete Quedas, demonstra ter uma preocupação com sua imagem quando o assunto é proteção ambiental. Em janeiro deste ano inclusive, a binacional ressaltou a importância dos projetos da empresa para a área. A empresa também se orgulha em seus textos, pela preservação de mais de 100 mil hectares de áreas protegidas. Ela se diz responsável por cerca de 30% da regeneração da Mata Atlântica observada no Paraná nos últimos 30 anos.

 

Sobre o Observatório de Justiça e Conservação (OJC)

O Observatório de Justiça e Conservação (OJC), é uma organização sem fins lucrativos que trabalha pela transparência e contra a corrupção na área ambiental.

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