A CGTN, emissora de TV estatal da China, que em fevereiro teve suas transmissões suspensas pelo órgão regulador britânico por não cumprir a legislação de radiodifusão do Reino Unido, está recrutando estudantes chineses para se tornarem influenciadores digitais a favor do país. E remunerando influenciadores britânicos que possuem canais sobre a China para exibirem conteúdo positivo.
A revelação foi feita pelo jornal The Times nesta quarta-feira (16/6), que identificou postagens e vídeos nas redes sociais favoráveis ao país asiático e teve acesso a um vídeo em que representantes da CGTN convocam os estudantes a se juntarem a eles. O esforço é parte de uma campanha para criar um exército de “desafiadores da mídia”, formado por influenciadores e vloggers da Internet em todo o mundo.
Segundo a reportagem do The Times, a CGTN oferece aos chineses que estudam em faculdades no Reino Unido a chance de ganharem milhares de libras para se manifestarem contra narrativas ocidentais, que prejudicam a imagem da China, e para promoverem notícias positivas.
O jornal afirmou que os candidatos podem ganhar até US$ 10 mil (R$ 50 mil) e um emprego de meio período na CGTN, de acordo com documentos promocionais. Pelo menos seis estudantes da Universidade de Leeds e um da Universidade de Manchester se inscreveram, afirmou o The Times.
Em Manchester, Zhuang Shangzi, uma estudante de pós-graduação de 24 anos fez um vídeo dizendo que foi inspirada por vloggers britânicos pró-Pequim que “eliminam o preconceito da mídia ocidental em relação à China”.
Ela disse ser uma “grande fã” de “Lee e Oli”, referindo-se a Lee Barrett e seu filho Oli, dois expatriados que têm sido criticados por fazer propaganda para a China.
O canal Barrets, mantido por Lee Barret e seu filho Oli a partir da China, onde vivem, é um dos apontados como envolvidos em um esquema para melhorar a imagem do país. Eles têm mais de 274 mil membros no YouTube. No canal é possível encontrar um vídeo em que Oli descreve “por que são tão positivos sobre China”.
Nos comentários, apenas elogios e declarações positivas, muitas com assinaturas típicas de robôs. Há até a manifestação de brasileiro, que tem um canal no YouTube sem foto e quase sem seguidores.
Outra estrela pró-China nas redes é Jason Lightfoot, que em seu canal no aplicativo de vídeos com 130 mil assinantes e 15 milhões de visualizações defende abertamente o país das críticas do Ocidente. Ele contou que fez viagens de barco, visitas a um centro de lançamento espacial e passeios pelo campus de pesquisa da Huawei “tudo graças à CGTN”, a estação de TV controlada pelo estado.
Lightfoot nasceu na Grã-Bretanha e conheceu sua esposa chinesa em 2009 na universidade em Sheffield. Em 2012 eles se mudaram para a China.
Ambos admitem serem subsidiados pela mídia estatal chinesa, que cobre custos de viagem e hotel, para viagens na China, mas dizem que são independentes. E chegam a atacar a mídia britânica.
Em um vídeo compartilhado pela CGTN, Lightfoot está em Xinjiang e zomba de uma investigação da BBC que identificou campos de trabalhos forçados para muçulmanos uigures usando imagens de satélite.
Ele disse que encontraram o que lhes parecia um acampamento. “E então eles inventaram uma matéria inteira a partir disso”, disse ele. “Todas essas histórias de “m*” da mídia ocidental são um complô para tentar desestabilizar a China, para servir aos seus próprios interesses geopolíticos. Eles têm medo da ascensão da China.”
O estudo The Covid-19 Story: Unmasking China’s Global Strategy (A história da Covid-19-Desmascarando a Estratégia Global da China), apresentado em maio pela pela Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), sediada em Bruxelas, descreveu uma eficiente estratégia de imprensa − que inclui programas de treinamento para jornalistas, viagens patrocinadas e acordos de compartilhamento de conteúdo jornalístico em idiomas locais − implementada pelo país, com o objetivo de reverter a imagem negativa gerada no início da pandemia pelo fato de o coronavírus ter se originado na cidade de Wuhan.
Realizado por três pesquisadores de universidades australianas, o trabalho mostrou como a Covid-19 foi habilmente transformada de problema em oportunidade, com a China ativando seus canais de disseminação de informações no exterior para inundar os meios de comunicação estrangeiros com ofertas de notícias nacionais e internacionais em idiomas locais, semeando matérias positivas sobre como administrou a pandemia.
A CGTN foi impedida de operar no Reino Unido por ser controlada por um partido político, o que é proibido pelas regras locais. Depois de retirada do ar, ela abordou reguladores franceses para confirmar que estava sob sua jurisdição e da lei europeia, uma brecha que permite a transmissão no Reino Unido independentemente da decisão do Ofcom.
A suspensão foi parte de uma escalada de tensões entre o país e China, que vêm se agravando devido a discordâncias sobre a administração de Hong Kong, um ex-território britânico que voltou ao controle chinês.
Em março, o correspondente da rede pública BBC teve que sair às pressas de Pequim rumo a Taiwan devido a ameaças.
Sam Armstrong, do think tank Henry Jackson Society, conclamou as universidades britânicas a impedir que estudantes sejam recrutados por equipes de propaganda política. As universidades não responderam a pedidos de comentários feitos pelo jornal.
Este e um problema delicado, pois escolas e faculdades britânicas têm dependido cada vez mais dos recursos advindos dos estudantes chineses e de aportes feitos por companhias do país.
Iain Duncan Smith, ex-líder conservador que sofreu sanções China, pediu à Grã-Bretanha que “reprima” a CGTN. “Este é um perigo nacional e uma pequena trama comunista insidiosa”, disse ele.