O Órgão Nacional de Processos Eleitorais (Onpe) do Peru anunciou na noite desta terça-feira (15/06) o fim da contagem dos votos do segundo turno da eleição presidencial no país, realizada em 6 de junho. O candidato de esquerda Pedro Castillo foi o mais votado, com 50,12% dos votos, contra 49,87% da direitista Keiko Fujimori.
Considerando todos os votos contabilizados, Castillo obteve 8.835.579, e Keiko, 8.791.521. Uma diferença de apenas 44 mil votos.
No entanto, Castillo ainda não foi declarado o vencedor do pleito. O anúncio do resultado oficial ainda depende do Júri Nacional Eleitoral (JNE), responsável por analisar a impugnação de atas de votação.
O partido de Keiko, o Força Popular, tenta virar o resultado com pedidos de anulação de aproximadamente 200 mil votos, alegando supostas irregularidades em seções eleitorais, sem apresentar provas concretas de fraude.
Mais de 25 milhões de peruanos estavam aptos a ir às urnas no último dia 6, e 18,8 milhões (74,5%) o fizeram no país e no exterior, sendo que 17,6 milhões de votos foram considerados válidos.
Na votação de 2016, Keiko, que é filha do ex-presidente Alberto Fujimori, perdeu o pleito por 41 mil votos de diferença para o banqueiro Pedro Pablo Kuczynski, que acabou perdendo o cargo em março de 2018 por pressão da bancada fujimorista no Congresso.
Pedro Castillo rejeitou terça-feira os pedidos para a anulação da votação, por alegada fraude, exigidos pelos apoiantes do candidato Keiko Fujimori.
"Eles continuam a pedir a anulação das eleições. Aguardamos pacientemente o resultado", salientou Castillo, numa coletiva de imprensa na sede do seu partido, em Lima.
No Twitter, Castillo voltou a se declarar o vencedor da disputa, dizendo que "um novo tempo começou". "Milhões de peruanos/as se levantaram em defesa de sua dignidade e justiça. Graças aos povos de todo o Peru, que a partir de sua diversidade e força história me deram sua confiança. Meu governo será de toda a população."
Castillo já havia se declarado vencedor do pleito no dia 8 de junho, quando 98,3% dos votos já haviam sido contados.
A alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, pediu na segunda-feira "calma para evitar novas divisões sociais".
A missão de observação eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) destacou na sexta-feira que não havia encontrado "irregularidades graves" nas eleições presidenciais do Peru, classificando-as como "positivas".
Ainda não há data para a divulgação dos resultados finais e a autoridade eleitoral tem sofrido pressões por parte dos apoiantes dos dois candidatos que se manifestam diariamente em Lima.
A Constituição peruana não permite a anulação das eleições em nenhuma circunstância, exceto "quando os votos inválidos ou em branco, somados ou separadamente, excederem dois terços do número de votos válidos", de acordo com o artigo 184.
Pesquisas eleitorais haviam indicado uma disputa acirrada. No pulverizado primeiro turno, com 18 candidatos, nem Fujimori nem Castillo haviam recebido mais de 20% dos votos, e ambos eram alvo de forte rejeição de setores da sociedade peruana. Muitos pensam que os dois são os piores candidatos que o Peru viu desde que se tornou independente, há 200 anos.
A pandemia não apenas levou a infraestrutura médica e de cemitérios do Peru ao colapso, deixou milhões de desempregados e ressaltou desigualdades no país, como também aprofundou a desconfiança da população na política, após o governo gerir mal a resposta à covid-19 e um escândalo de vacinação secreta vir à tona. O segundo turno ocorreu depois de uma revisão estatística pelo governo do país mais do que dobrar o número de mortos por covid-19.
Apesar de ser até então desconhecido na política, Castillo se tornou o candidato mais votado no primeiro turno, em abril, com 18,9%. Fujimori havia obtido 13,4% dos votos.
O socialista Castillo, do partido Peru Livre, é professor de escola primária sem experiência de governo. Filho de camponeses analfabetos, ele entrou para a política ao liderar uma greve de professores. Ele venceu o primeiro turno das eleições, em abril.
Durante a campanha, Castillo propôs abolir o Tribunal Constitucional, controlar a mídia e nacionalizar a indústria de petróleo e gás, com intuito de criar um Estado socialista. Seu discurso ficou cada vez mais moderado nas últimas semanas, mas ele prometeu reescrever a Constituição aprovada sob o regime de Alberto Fujimori.
Entre os apoiadores de Castillo estão o ex-presidente boliviano Evo Morales e o ex-presidente uruguaio José Mujica.
Por sua vez, a ex-congressista Keiko Fujimori, do partido Força Popular, concorreu pela terceira vez à presidência. Filha do ex-ditador Alberto Fujimori, que hoje está preso, ela mesma enfrenta ameaça de ser condenada a 30 anos de prisão por lavagem de dinheiro e financiamento ilegal de campanha, num escândalo envolvendo a construtora brasileira Odebrecht.
Keiko disse que perdoará seu pai se ganhar a eleição, saudando o retorno a uma época que muitos peruanos não desejam. "Fujimori anunciou que vai introduzir uma 'demodura' ou 'democracia com mão dura', governo autoritário com instituições democráticas, exatamente o que seu pai fez", explica a cientista política peruana Mayte Dongo.
Alberto Fujimori esteve no poder de 1990 a 2000, durante o qual obrigou dezenas de milhares de mulheres indígenas a serem esterilizadas. Atualmente, cumpre pena de 25 anos por autorizar sequestros e assassinatos por esquadrões da morte.
Os apoiadores de Fujimori incluíam jogadores da seleção peruana de futebol e o Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa. O escritor, que perdeu uma disputa presidencial contra Alberto Fujimori há três décadas e chamou Keiko Fujimori de "a filha do ditador" em 2016, agora a classificou como representante "da liberdade e do progresso".