O Ministério da Justiça da Alemanha entrou com um processo contra o aplicativo de mensagens criptografadas Telegram, que no país e em toda a Europa vem sendo largamente usado pela extrema direita e por ativistas contrários às medidas de isolamento social e às vacinas contra a Covid-19. O argumento é de que o serviço viola a legislação alemã sobre discurso de ódio nas redes sociais.
O Ministério argumentou que o aplicativo descumpre a lei ao não designar uma pessoa de contato para as autoridades locais e ao não dispor de um procedimento para remover conteúdo ilegal. No Brasil, em entrevista à Folha de S.Paulo nesta terça-feira (15/6), o Tribunal Superior Eleitoral, que organiza um trabalho de prevenção de fake news para as eleições de 2022, relatou também ter dificuldades em encontrar um representante da plataforma.
O Network Enforcement Act da Alemanha, que foi promulgado em 2017, determina que plataformas como Facebook, YouTube e Twitter excluam qualquer conteúdo ilegal ou prejudicial que seja reportado pelas autoridades, mas não se aplicava ao Telegram até agora. O Ministério da Justiça alemão está mudando sua postura e submetendo o Telegram a essa lei.
Na segunda-feira, o Ministério da Justiça do país anunciou que havia escrito aos operadores do Telegram nos Emirados Árabes Unidos, onde fica a sede da empresa, notificando-os sobre as obrigações.
“A empresa agora tem a oportunidade de responder“, disse a porta-voz Rabea Boennighausen a repórteres em Berlim. Se não cumprir os requisitos, o Telegram poderá enfrentar multas de até € 5,5 milhões (R$ 36,5 milhões)
O aplicativo foi criado em 2013 por dois bilionários russos, Nikolai e Pavel Durov, depois que a casa de Pavel em Moscou foi supostamente invadida pela polícia secreta. De acordo com a empresa de análise de aplicativos Sensor Tower, o Telegram foi o aplicativo não relacionado a jogos mais baixado em todo o mundo em janeiro de 2021, com mais de 63 milhões de instalações.
O software foi projetado para ser um serviço seguro. Em alguns países onde há censura aos meios de comunicação e às redes sociais, tem sido usado por ativistas pró-democracia para transmitir informações e convocar protestos, como na Bielorrússia.
O jornalista Roman Protasevich, preso em maio em uma operação cinematográfica quando voava entre a Grécia e a Lituânia, era editor do canal Nexta, que roda no Telegram. Baseado na Polônia, o canal ganhou importância depois que os conflitos em reação às eleições presidenciais que mantiveram Aleksander Lukashenko no poder tomaram conta do país.
Contudo, a mesma segurança que permite contornar a censura imposta por regimes autoritários também serve a radicais e criminosos. O Telegram vem sendo apontado por entidades de direitos humanos e reguladores de internet em vários países como o recurso adotado por jihadistas do Estado Islâmico, pelos agitadores americanos ligados ao ataque ao Capitólio e por terroristas.
Como as mensagens são criptografadas, o aplicativo substitui plataformas onde há mais moderação, como Facebook, Twitter e Instagram. Na Europa, onde movimentos de extrema direita avançaram depois da pandemia, a conquista de adeptos insatisfeitos com medidas restritivas tem sido feita sobretudo por serviços como Telegram e redes sociais sem moderação, como a Gaia, um espaço inicialmente dedicado à ioga, que se transformou em ambiente para a proliferação de teorias da conspiração como o QAnon.
O uso do serviço por teóricos da conspiração e integrantes da extrema direita na Alemanha é reconhecido pelo próprio Telegram. No início de junho, a plataforma bloqueou Attila Hildmann, uma das principais figuras nos protestos contra o bloqueio durante a pandemia. Com dupla nacionalidade, ele tinha escapado de um mandado de prisão no início do ano, refugiando-se na Turquia.
Com mais de 100 mil seguidores, disse em outro site que o Telegram não havia encerrado sua conta, mas que a Apple e o Google bloquearam o acesso a ela. E pediu aos seguidores para assinarem uma conta de backup do Telegram e os direcionou para uma série de outras plataformas.
“A verdade que estou expondo está prejudicando, e eles estão fazendo de tudo para me silenciar”, disse ele.
Hildmann, que ficou famoso como chef de cozinha vegano, afirmou que vacinas estavam sendo usadas para envenenar crianças e sugeriu que os testes de PCR visavam implantar uma tecnologia secreta no nariz das pessoas.
Ao seguir para a Turquia, descreveu o país como seu verdadeiro lar, elogiou o presidente turco Recep Tayyip Erdogan e disse que lá permaneceria “até que a Alemanha seja novamente livre”.
Hildmann era suspeito de discurso de ódio, incitação a atos criminosos e resistência a funcionários do governo.
O Conselho Europeu publicou um comunicado sobre segurança e terrorismo, que incluiu um alerta sobre o aumento da radicalização.
“A presença online de grupos extremistas está aumentando desde o início da pandemia da Covid-19”, disse o documento. A médio e longo prazo, a pandemia e suas consequências socioeconômicas podem ser um terreno fértil para narrativas extremistas”.
Em maio, o Facebook Inc. foi obrigado a parar de coletar dados dos usuários do Whastapp na Alemanha, depois que um órgão regulador do país disse que a tentativa da empresa de fazer os usuários concordarem com a atualização dos termos de uso era ilegal.
Johannes Caspar, que chefia a autoridade de privacidade de Hamburgo, emitiu uma proibição de emergência de três meses, proibindo o Facebook de continuar com a coleta de dados.
Ele também pediu a um painel de reguladores de dados da União Europeia que tomasse medidas e emitisse uma decisão em todo o bloco de 27 países. “Os novos termos do WhatsApp que permitem a coleta de dados são inválidos porque são pouco transparentes, inconsistentes e excessivamente amplos”, disse ele.
“A ordem visa a garantir os direitos e liberdades de milhões de usuários que estão concordando com os termos em toda a Alemanha”, disse Caspar em um comunicado. “Precisamos prevenir danos e desvantagens associados a esse procedimento de caixa preta.”
A direção do WhatsApp classificou as alegações de Caspar de “erradas” e disse que o pedido não impedirá a implementação dos novos termos. A ação do regulador é “baseada em um mal-entendido fundamental” sobre o propósito e efeito da atualização, disse a empresa em um comunicado.