Após três décadas da instituição da Doutrina de Proteção Integral às crianças e adolescentes brasileiros, ainda temos diversas formas de violação de seus direitos, dentre elas, o trabalho infantil, que prejudica o seu desenvolvimento, tirando delas o direito de ser criança, de vivenciar o lúdico e ter uma infância protegida, uma vez que assumem tarefas, preocupações e responsabilidades da fase adulta.
O trabalho precoce, antes da idade que a lei permite, ou mesmo de adolescentes com idade para o trabalho, mas em condições inadequadas, prejudica o seu presente e o seu futuro, comprometendo o seu crescimento e desenvolvimento saudável e de ter as mesmas ou melhores oportunidades de trabalho digno, de possuir uma formação universitária ou técnica, além dos prejuízos à saúde física e psicológica, vez que são incompatíveis com o seu desenvolvimento e ainda alimenta a reprodução do ciclo da pobreza e da exclusão social.
Esse tema ainda é cercado de preconceitos e tabus, mitos, pois há a naturalização e romantização dessa situação de trabalho infantil, a exemplo de autoridades brasileiras que deveriam combater o trabalho infantil, mas que o reforçam erroneamente: “Deixa o moleque trabalhar. Eu trabalhei, aprendi a dirigir com 12 anos. Molecada quer trabalhar, trabalha. Quando um moleque de nove, dez anos vai trabalhar em algum lugar tá cheio de gente aí ‘trabalho escravo, não sei o quê, trabalho infantil’. Agora quando tá fumando um paralelepípedo de crack, ninguém fala nada”. (Fala do presidente Jair Bolsonaro em live e publicada na reportagem do Correio Braziliense).
Segundo a Lei 8.06/90, art. 60, com as alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 20/98, qualquer trabalho é proibido a menores de 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Ao adolescente aprendiz, maior de 14 anos, e ao adolescente regularmente empregado, a partir dos 16 anos, deverão ser assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários. Em nenhuma hipótese será permitido o trabalho noturno, perigoso, insalubre e penoso aos menores de 18 anos. Compreende-se o trabalho noturno, como aquele realizado entre às vinte e duas horas de um dia e às cinco horas da manhã do dia seguinte, e perigoso, insalubre ou penoso, aqueles realizados em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola.
Registra-se avanços em nossa legislação, a exemplo da Lei nº 14.133 de 01 de abril de 2021, que dispõe sobre Licitações e contratos administrativos. Esta estabelece em seu art. 14, que “não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente: VI – pessoa física ou jurídica que, nos 5 (cinco) anos anteriores à divulgação do edital, tenha sido condenada judicialmente, com trânsito em julgado, por exploração de trabalho infantil, por submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo ou por contratação de adolescentes nos casos vedados pela legislação trabalhista”.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referente ao ano de 2019, contabilizaram, no Brasil, 1,8 milhão de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, representando 4,6% do total de 38,3 milhões de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 17 anos.
Os dados demonstram que ainda é insuficiente a erradicação do trabalho infantil até 2025, período em que o Brasil assumiu o compromisso com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, transcrito na meta 8.7.
Registra-se, ainda, segundo os dados do IBGE referentes a 2019 de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, 66,4% eram meninos; 66,1% eram negros. As faixas etárias com maior incidência é de 16 e 17 anos, com 53,7%, seguidos de 14 e 15 anos, corresponde a 25% e de 05 a 13 anos com 21,3%. (PNAD, 2019). No estado do Maranhão, dados do Disque 100 demonstram oscilação entre redução e crescimento do número de denúncias referentes ao trabalho infantil, sendo registrado 586 casos de 2016 a 2019.
São Luís está entre os municípios com a maior incidência de denúncias de trabalho infantil via Disque 100, com 17% do total de registros, seguindo de São José de Ribamar e Imperatriz, ambos com 5% e com o mesmo percentual de 3%, Açailândia, Timon e Paço do Lumiar. São municípios marcados pela existência de aglomerados urbanos com pouca infraestrutura e cobertura das políticas públicas, deixando vulneráveis as crianças e adolescentes e suas famílias, cujas consequências são graves violações de direitos humanos como o trabalho infantil.
Acrescenta-se a isso, o agravamento da crise socioeconômica no contexto da pandemia da Covid-19, com a desestruturação dos serviços de prevenção e erradicação do trabalho infantil, principalmente no âmbito do SUAS, que sofre com cortes e falta de repasse de recursos do governo federal para cofinanciamento dos serviços municipais de assistência social.
No âmbito do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA/MA) foi retomado o processo de revisão e elaboração do Plano Estadual Decenal de Erradicação ao Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador coordenado pela Secretaria de Estado da Educação (Seduc), juntamente com o CEDCA, compreendendo a educação como a melhor estratégia de superação dessa triste realidade de crianças e adolescentes.
Esse Plano é uma ferramenta de planejamento e gestão da política de prevenção e enfrentamento do trabalho infantil para os próximos 10 anos.
Sorimar Sabóia Amorim
Assistente Social
Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente
Presidente da Fundação da Criança e do Adolescente