No ano em que a pandemia acelerou as transformações da indústria de mídia, a revelação dos vencedores do Pulitzer, um dos mais importantes – para alguns “o” mais importante – prêmios de jornalismo mundial consagrou o jornal que se tornou exemplo de qualidade do noticiário, inovação e adaptação ao universo digital.
O New York Times, que em 2020 conquistou 2,3 milhões de assinantes digitais, levou o prêmio mais importante da série, o de Serviço Público, em reconhecimento à cobertura da crise do coronavírus. O comitê destacou o trabalho do jornal em “preencher um vácuo de informações, ajudando governos locais, provedores de saúde, empresas e indivíduos a estarem mais bem preparados e protegidos”. A primeira reportagem foi publicada em 6 de janeiro de 2020.
Mas se o prêmio a uma powerhouse da imprensa não chega a surpreender, o Pulitzer reconheceu também um outro extremo da cadeia informativa contemporânea: o jornalismo cidadão. A homenagem especial deste ano foi para Darnella Frazier, a adolescente que aos 17 anos gravou o assassinato de George Floyd, capturando o vídeo que gerou protestos em todo o mundo e ajudou na condenação do policial Derek Chauvin.
Desde que os prêmios Pulitzer foram estabelecidos, em 1917, apenas 44 citações e prêmios especiais foram concedidos até hoje, sempre a jornalistas. Sem ser profissional de imprensa, ela encarnou o espírito do jornalismo fazendo o filme de 10 minutos que revelou ao mundo a atrocidade cometida em Minneapolis. E desmascarou a farsa da polícia, que tentaria encobrir a história registrando a operação como “Homem morre após incidente médico durante interação policial”.
Darnella e o New York Times vivem em mundo distantes. Ela, uma jovem que entendeu a importância do momento e não titubeou em registrá-lo e divulgá-lo. Ele, um jornal centenário, com recursos para investir em alta tecnologia na redação e no comercial.
Mas há algo comum: ambos são de certa forma fruto da digitalização da mídia, que permite inovações em storytellying e na administração do negócio de uma grande organização, e ao mesmo tempo capacita indivíduos a distribuírem pelas redes sociais uma imagem com poder transformador, como fez Darnella.
A repercussão da homenagem a ela nas redes foi gigantesca, com importantes jornalistas e ativistas comemorando o reconhecimento. Kevin Merida, jornalista negro escolhido como novo editor do Los Angeles Times, simplesmente reproduziu em seu Twitter a frase de Darnella.
Ela diz não se ver como heroína. E que por trás dos sorrisos e da publicidade, “é uma garota tentando curar uma coisa de que se lembra todos os dias”. O depoimento dela no julgamento de George Floyd dizendo isso foi comovente.
O Pulitzer foi criado em 1917 pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e premia trabalhos de jornalistas ou organizações radicadas nos Estados Unidos em 16 categorias. Os vencedores são anunciados em uma cerimônia na universidade. Mas este ano, assim como em 2020, a lista foi revelada remotamente devido à pandemia.
Comentando os resultados de 2021, o jornalista Tom Jones, do Poynter Institute, que faz parte de Columbia, observou que embora Donald Trump tenha dominado o noticiário nos últimos cinco anos e sobretudo no ano eleitoral, matérias sobre ele quase não apareceram entre finalistas e vencedores, tendo dado lugar
Em um ano em que nosso mundo mudou radicalmente e para sempre por causa de uma pandemia que ocorre uma vez em cem anos e do assassinato de um homem negro em Minneapolis e de uma mulher negra em Louisville pelas mãos da polícia, o trabalho obstinado de jornalistas ao investigar, examinar, explicar e analisar esses eventos transformadores será lembrado entre o jornalismo mais impressionante e importante do ano … e de todos os tempos.
Sobre as duas grandes pautas, ele destacou o trabalho da imprensa diante da pandemia:
Enquanto a Covid-19 grassava em todo o mundo e nos Estados Unidos, onde ceifou a vida de quase 600.000 americanos, as organizações de notícias, grandes e pequenas, informaram os cidadãos assustados sobre um vírus assassino que fechou escolas, empresas e qualquer coisa semelhante à normalidade em nossas vidas.
E sobre os protestos raciais:
A outra história dominante de nosso país – a raça na América e os maus tratos sistemáticos de pessoas de cor pelas autoridades, especialmente a polícia – foi o outro grande tema dos Pulitzers deste ano.
O caso de George Floyd valeu ao Star Tribune, de Minneapolis o Pulitzer na categoria Breaking News (notícias de última hora). O comitê ressaltou a relevância da cobertura imediata do assassinato e de suas repercussões posteriores.
Em Reportagem Investigativa, o Pulitzer foi para os jornalistas Matt Rocheleau, Vernal Coleman, Laura Crimaldi, Evan Allen e Brendan McCarthy, do do The Boston Globe , por reportagens mostrando falhas dos governos em compartilhar informações sobre caminhoneiros que oferecem risco nas estradas e incapacidade em afastá-los, o que levou a reformas no sistema.
O prêmo de Reportagem Explanatória foi duplo.
Venceram Andrew Chung, Lawrence Hurley, Andrea Januta, Jaimi Dowdell e Jackie Botts, da Reuters por uma análise profunda de dados oficiais mostrando como a doutrina de “imunidade qualificada” é usada para proteger da justiça os policiais que usam força excessiva.
E Ed Yong, do The Atlantic , por uma série de matérias sobre a pandemia apontada pelo comitê do Pulitzer como “lúcida e definitiva”, antecipando o que viria a seguir, sintetizado os desafios do país no enfrentamento do coronavírus, apontado as falhas do governo e oferecido informações claras e acessíveis sobre as implicações científicas e humanas da crise.
O Pulitzer de Jornalismo Regional foi para Kathleen McGrory e Neil Bedi, do Tampa Bay Times . A reportagem que valeu o prêmio foi sobre um xerife poderoso na Flórida, que assediou os residentes e usou registros de assistência social infantil e notas acadêmicas para traçar o perfil de crianças em idade escolar como criminosos em potencial.
E o de Jornalismo Nacional foi para um consórcio formado por The Marshall Project, AL.com de Birmingham, Ala., IndyStar de Indianapolis e Invisible Institute of Chicago. UmaUma investigação de um ano revelou um padrão de ataques feitos por por unidades policiais em todo o país, incluindo incidentes em que civis inocentes foram feridos ou, em pelo menos um caso, mortos.
Megha Rajagopalan, Alison Killing e Christo Buschek, do BuzzFeed News, ganharam o Pulitzer de Jornalismo Internacional.Usando imagens de satélite, os repórteres revelaram uma vasta infraestrutura de prisões e campos de internamento em massa construídos secretamente pela China para deter milhares de minorias muçulmanas perseguidas.
O Pulitzer em Feature Writing (matérias especiais) também foi dividido. E nesse caso, ficou para dois jornalistas freelances, mostrando que “frilar” para veículos que não fazem parte do circuito de grandes publicações pode render um dos mais importantes prêmios de jornalismo do mundo. Eles venceram um jornalista do Washington Post, o terceiro finalista da categoria.
A nota triste é que uma das publicações premiadas, a revista California Sunday, não resistou à pandemia. Fechou em outubro de 2020, mas entrou para a história do jornalismo ao receber um Pulitzer post mortem.
Foi para ela que a jornalista Nadja Drost escreveu um relato considerado pelo júri como “corajoso e emocionante” sobre a jornada que os migrantes fazem pelo Darién Gap , entre a Colômbia e o Panamá.
O outro vencedor foi Mitchell S. Jackson, que fez para uma revista de corrida, a Runner’s World – essa ainda na ativa – uma matéria “profundamente comovente” sobre a morte de Ahmaud Arbery.O homem negro havia saído para correr e foi assassinado 12 minutos depois.
Na categoria Comentário, venceu Michael Paul Williams, do Richmond Times Dispatch, na Virgínia, por colunas consideradas pelo comitê do prêmio como “penetrantes e historicamente perspicazes, que ajudaram a guiar o processo de desmontagem de monumentos aos líderes confederados de Richmond durante a Guerra Civil”.
Em Crítica, o Pulitzer foi Wesley Morris do The New York Times por críticas “incessantemente relevantes e profundamente engajadas na interseção de raça e cultura na América, escritas em um estilo singular, alternativamente lúdico e profundo”, segundo o júri.
O Pulitzer Editorial de Opinião premiou Robert Greene, do Los Angeles Times, por editoriais sobre policiamento, reforma da fiança, prisões e saúde mental que examinaram “de forma clara e holística o sistema de justiça criminal de Los Angeles.
O de Reportagem de Áudio foi concedido a Lisa Hagen, Chris Haxel, Graham Smith e Robert Little, da NPR, por uma série investigativa sobre ativistas pelos direitos das armas “que iluminou o profundo cisma entre os conservadores americanos”.
O Pulitzer tem dois prêmios em fotografia, e os dois foram para a Associated Press. Na categoria Breaking News, a agência venceu com uma série em várias cidades americanas mostrando a resposta do país à morte de George Floyd.
E em Fotografia Especial o fotógrafo da AP Emilio Morenatti levou o Pulitzer por uma série sobre os idosos na Espanha durante a pandemia.