Mesmo com o noticiário dominado pela pandemia do coronavírus, o espaço dedicado pela imprensa global à mudança climática em 2020 foi 41% superior ao de 2018 e 38% maior do que em 2017, confirmando a relevância do tema para a mídia e para a sociedade.
Em comparação a 2019 houve uma queda de 23%, mas ainda assim a cobertura manteve-se alta sobretudo nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido. A despeito da Covid-19, os principais jornais desses países veicularam mais notícias sobre questões ambientais do que em 2020, mencionando as palavras-chave mudança climática ou aquecimento global.
Os dados são do Observatório de Mídia e Mudanças Climáticas (MeCCO), baseado na Universidade do Colorado e que reúne outras 10 universidades em vários continentes. Há 17 anos o grupo monitora a cobertura jornalística ambiental, acompanhando atualmente 120 fontes (TVs, jornais e rádios) em 54 países e 11 idiomas (inglês, espanhol, francês, italiano, japonês, norueguês, russo, sueco, dinamarquês, alemão e português).
O MeCCO destaca que o objetivo do trabalho é refletir sobre o tratamento da mídia à mudança climática no ano anterior e antecipar temas emergentes que devem permanecer em evidência. O ano de 2020 ocupou o segundo lugar em quantidade de cobertura desde o início do monitoramento.
Na América Latina, o estudo analisou matérias de 15 fontes. No Brasil, O Globo e Folha de S.Paulo foram monitorados pela pesquisa.
Os jornais pesquisados no Canadá (The Toronto Star, National Post e Globe and Mail) e no Reino Unido (The Daily Mail, Mail on Sunday, The Guardian, The Sun, Daily Telegraph, Sunday Telegraph, The Daily Mirror, Sunday Mirror, The Times e Sunday Times) dedicaram à mudança climática o maior espaço de todos os tempos no ano passado.
No Reino Unido o campeão foi o The Times, serguido pelo The Guardian, que adotou o meio ambiente como sua principal causa, seguindo a tradição britânica de a mídia eleger um tema para fazer campanha permanente.
Nos Estados Unidos, a cobertura de cinco grandes jornais impressos (The Washington Post, The Wall Street Journal, The New York Times, USA Today e Los Angeles Times) foi a maior dos últimos dez anos Os noticiários de televisão americanos monitorados pelo estudo (ABC , CBS , CNN , Fox News Network , MSNBC e NBC) também dedicaram tempo significativo ao clima.
Janeiro foi o mês em que a cobertura sobre a mudança climática foi maior em 2020, segundo o levantamento. Se não fosse a pandemia, que em fins de fevereiro já começava a chamar mais atenção da mídia global, o nível de cobertura sobre os problemas ambientais provavelmente teria continuado alto. Um sinal disso é que a cobertura aumenta em novembro e dezembro, quando em muitos países a crise do coronavírus já estava mais controlada.
O MeCCO observou também uma mudança nos espaços onde as reportagens passaram a ser veiculadas. A mudança climática deixou de ocupar apenas as áreas de ciência e meio ambiente para se destacar nas páginas de política, economia e cultura. O estudo mostra como exemplo três capas de jornais americanos em que a mudança climática está associada à política.
O estudo identificou os acontecimentos relacionados às mudanças climática que ganharam mais atenção da mídia global.
Os principais foram a perda de gelo do Ártico e Antártico; os gafanhotos do Zimbábue; os incêndios florestais na Austrália e na América do Norte; as inundações no Butão, Bangladesh, Nepal, Sri Lanka e no Reino Unido; as ondas de calor na Rússia; os ciclones e tufões que atingiram várias regiões do mundo e os projetos de energia renovável.
Temas políticos, como a administração de Donald Trump e os planos dos candidatos à presidência americana para administrar a crise ambiental, ficaram em destaque no segundo semestre do ano.
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Os pesquisadores do MeCCO onstataram que pandemia da Covid-19 “roubou” as manchetes da imprensa global, mas observaram que muitas matérias sobre o coronavírus também se relacionavam com a emergência climática. O trabalho destaca reportagens e também posts em redes sociais relacionando a doença ao clima ou a pessoas identificadas com a causa ambiental.
Um post no Instagram da jovem ativista Greta Thumberg afirmando ser “extremamente provável” que ela e seu pai tivessem contraído o coronavírus após uma viagem para a Europa Central, viralizou nas redes e foi reproduzido inclusive em emissoras de TV, rádio e jornais impressos.
Outro impacto da crise de saúde foi sobre o ativismo, já que os protestos ficaram limitados devido ao isolamento social. Nesse contexto, o “ativismo online” se desenvolveu. O relatório do MeCCO destaca uma reportagem no Washington Post registrando esse movimento:
“Com a pandemia da Covid-19 forçando os americanos a ficarem em casa, o movimento climático está se movendo online.
Planos para protestos e outros tipos de ativismo pessoal, incluindo grandes marchas no Dia da Terra, nas quais ambientalistas queriam chamar a atenção para o aquecimento global, foram interrompidos pela necessidade de as pessoas ficarem separadas e impedir o aumento do coronavírus.
Os ativistas do clima estão agora se ajustando à nova realidade, com a maior parte de sua atividade, pelo menos no curto prazo, devendo ocorrer online para evitar a propagação do vírus.
Ativistas jovens e experientes na internet dizem que estão prontos para o momento. “Nossa geração foi construída para isso”, disse Stephen O’Hanlon, co-fundador do Movimento Sunrise, liderado por jovens, que ajudou a lançar o Green New Deal. “Passamos nossas vidas inteiras online”.
O Brasil é citado no relatório em acontecimentos diretamente relacionados à emergência climática e que ganharam destaque nas manchetes, como os incêndios florestais e o desmatamento da Amazônia.
Em junho, mês no qual a cobertura sobre clima na América Latina caiu em seis pontos percentuais em relação a maio, novas pesquisas conectando desmatamento e mudanças climáticas ganharam a atenção da imprensa global.
Em um artigo da BBC , o jornalista Matt McGrath escreveu:
“As florestas tropicais mais antigas e ricas em carbono continuam a se perder a uma taxa assustadora, de acordo com dados de satélite. Em 2019, uma área de floresta primária do tamanho de um campo de futebol foi perdida a cada seis segundos, diz o estudo de árvores de mais de 5 metros da Universidade de Maryland.
O Brasil foi responsável por um terço disso, a pior perda em 13 anos, além dos enormes picos de incêndios em 2016 e 2017. No entanto, a Indonésia e a República Democrática do Congo conseguiram reduzir a perda de árvores. Enquanto isso, a Austrália viu um aumento de seis vezes na perda total de árvores, após dramáticos incêndios florestais no final de 2019″.
Outro exemplo destacado no estudo é a reportagem de Marlow Hood, repórter da agência de notícias France Presse, publicada no jornal indonésio Jakarta Post :
“Vastas áreas de floresta tropical em três continentes viraram fumaça no ano passado, com uma área quase do tamanho da Suíça cortada ou queimada para dar lugar a gado e plantações comerciais.
Os 38 mil quilômetros quadrados destruídos em 2019 – o equivalente a um campo de futebol de árvores antigas a cada seis segundos – tornaram o ano o terceiro mais devastador para as florestas primárias desde que os cientistas começaram a acompanhar seu declínio, duas décadas atrás.
Os ecossistemas tropicais são vulneráveis às mudanças climáticas e à exploração extrativista”.
Já em setembro, a cobertura climática na América Latina aumentou 63% em relação ao mês anterior, mas ainda permaneceu 34% menor do que em setembro de 2019. E os incêndios no Brasil e também na Argentina, Indonésia, Sibéria e Austrália foram citados em reportagem de Veronica Penney, no New York Time:
“Temperaturas extremas e secas mais severas, resultado das mudanças climáticas causadas pelo homem, criaram um mundo que está pronto para queimar”.
A pesquisa do MeCCO monitora as reportagens em que aparecem as expressões mudança climática ou aquecimento global em 11 idiomas:
O estudo completo, com o acompanhamento mês a mês sobre os temas que dominaram a cobertura sobre temas ambientais, pode ser visto aqui.