Um tribunal de guerra da ONU confirmou nesta terça-feira (08/06) a pena de prisão perpétua para o ex-líder militar sérvio Ratko Mladic, de 78 anos, por causa do massacre de Srebrenica e outros crimes de guerra, além de genocídio e crimes contra a humanidade cometidos durante a Guerra da Bósnia (1992-1995).
A sentença para o ex-general, apelidado de “açougueiro da Bósnia” ou “carniceiro dos Bálcãs”, é definitiva, não cabe mais recurso. A decisão foi proferida por cinco juízes do Mecanismo para os Tribunais Penais Internacionais (MPTI), em Haia, que substituiu o Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia (TPII), após o seu encerramento em 2017.
"O tribunal de apelações mantém a pena de prisão perpétua para Mladic", diz um comunicado do MPTI, rejeitando um recurso apresentado pela defesa do ex-general.
Mladic respondeu a 11 processos por genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra na Bósnia-Herzegovina de maio de 1992 até o fim de 1995 e foi considerado em 2017 culpado em dez deles.
Os juízes consideraram provado que Mladic quis cometer genocídio em Srebrenica. O massacre resultou na morte de cerca de 8 mil homens e garotos bósnios muçulmanos desarmados. Foi o maior massacre na Europa depois da Segunda Guerra Mundial, tornando o processo um dos mais destacados de crimes de guerra desde os julgamentos de comandantes nazistas pelos Tribunais de Nurembergue.
"Atirem somente em carne humana! Só em carne humana! Eles não têm nada, eles têm apenas algumas armas simples – só isso". Este foi um comando dado por Mladic aos seus soldados durante o ataque a Srebrenica, então uma zona protegida pela ONU.
Em poucos dias, 30 mil bosniaks, como são conhecidos os muçulmanos bósnios, foram deslocados de suas casas.
Radovan Karadzic, líder político dos sérvios bósnios na guerra entre 1992 e 1995, e o presidente sérvio Slobodan Milosevic, que armaram e criaram as Forças Armadas sérvio-bósnias, foram julgados pelos mesmos crimes de Mladic. Em 2016, Karadzic foi condenado a 40 anos de prisão. Milosevic morreu em sua cela, em Haia, em 2006, antes do término de seu processo.
Mladic também foi responsabilizado pelo cerco de três anos e pelo bombardeio de Sarajevo, durante o qual milhares de civis morreram por fogo de artilharia, morteiros, disparos de tanques de guerra e de franco-atiradores na capital bósnia.
Mães de algumas das vítimas do massacre viajaram a Haia, na Holanda, para ouvir a sentença. "É um dia histórico, não só para nós, mães, mas também para todos os Bálcãs, Europa e mundo. [Mladic] é um monstro que não se arrependeu do que fez, mesmo passados 26 anos", disse Munira Subasic, presidente de uma das associações "Mães de Srebrenica".
No centro do Memorial do Genocídio, perto de Srebrenika, um grande telão transmitiu nesta terça-feira testemunhos de sobreviventes do massacre, próximo às pedras brancas erguidas onde estão enterrados os corpos de mais de 6.600 vítimas identificadas.
"Em vez de me alegrar com os meus netos, vim aqui para chorar", disse Munevera Kabeljic, de 69 anos, perto dos túmulos do marido e dos dois filhos, que foram mortos quando tinham 17 e 20 anos.
"O que mais dói é que eles negam o genocídio. Dizem que não aconteceu, mas estas lápides provam", acrescentou Kabeljic.
Mais de um quarto de século após o conflito, o ex-general ainda é visto por alguns sérvios como herói. Segundo a defesa de Mladic, não existe qualquer ligação entre ele e as mortes cometidas em Srebrenica.
Logo após o fim da Guerra da Bósnia, Mladic tinha um estilo de vida luxuoso, já que era apoiado por militares sérvios. A situação mudou em 1999, com a queda do presidente nacionalista sérvio Slobodan Milosevic.
Após anos foragido, Mladic foi capturado, em 2011, pelo governo sérvio na casa de campo de seu primo no norte da Sérvia e entregue à custódia do tribunal em Haia.
Mladic por muito tempo tentou lançar uma imagem de si mesmo como "um homem simples" que foi escolhido pelo "destino" para proteger seu povo, culpando "o Vaticano e a máfia ocidental" pela devastação de seu país.
Treinado em Belgrado no início dos anos 1960, Mladic era conhecido por confundir negociadores internacionais durante a guerra com longas palestras sobre a história da Sérvia. No final da guerra na Bósnia, até mesmo seus aliados mais próximos questionaram seu estado mental.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, saudou nesta terça-feira a confirmação da sentença e afirmou que ela proporcionaria "consolo a todos os que estão sofrendo".
"Este julgamento histórico mostra que aqueles que cometem crimes horríveis serão responsabilizados", disse em comunicado. "Isso também reforça nossa determinação compartilhada de evitar que atrocidades futuras ocorram em qualquer parte do mundo", acrescentou.
A alta comissária da ONU para direitos humanos, Michelle Bachelet, disse em um comunicado que a decisão "destaca a determinação do sistema de justiça internacional em garantir a responsabilização, não importa quanto tempo leve - no caso de Mladic, quase três décadas após ele ter cometido seus crimes hediondos".