A criação de um passaporte nacional de imunização e segurança sanitária que assegure a ampla circulação de pessoas foi defendida por especialistas em sessão remota de debates nesta segunda-feira (7). O tema da sessão foi o PL 1.674/2021, projeto de lei do senador Carlos Portinho (PL-RJ) que prevê a instituição desse passaporte.
Os especialistas que participaram do debate avaliaram que o sucesso da iniciativa dependerá de sua integração às demais plataformas de bancos de dados já existentes, a exemplo do Conecte SUS. No entanto, ressaltaram que somente o avanço da vacinação com celeridade poderá favorecer a retomada econômica em todos os setores.
Carlos Portinho afirmou que sua proposta pode favorecer a circulação de pessoas em viagens ou negócios, contribuindo para a retomada da atividade econômica. Ele argumenta que "não adianta se vacinar e ficar preso em casa com os direitos tolhidos". O senador também ressaltou que "o governo precisa ter o seu próprio sistema de gestão de dados".
O projeto determina que o passaporte poderá ser usado pelos entes federados para suspender ou abrandar medidas restritivas de locomoção ou de acesso de pessoas a serviços ou locais, públicos ou privados, que tenham sido adotadas com o objetivo de limitar a propagação do causador de surto ou pandemia. A proposta prevê que o passaporte poderá ser usado para autorizar a entrada em locais e eventos públicos; o ingresso em hotéis, cruzeiros, parques e reservas naturais; entre outras possibilidades. De acordo com o projeto, o documento seria implementado por meio de plataforma digital, a ser operada pela União em coordenação com estados, Distrito Federal e municípios e com os serviços privados de saúde credenciados.
O relator dessa proposta é senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).
Secretário Nacional de Desenvolvimento e Competitividade do Futuro do Ministério do Turismo, William França defendeu a integração e a validação do passaporte previsto no projeto com plataformas já existentes, como o Conecte SUS, e também com os certificados emitidos por outros países. Disse ainda que o Ministério do Turismo já propôs a criação de um protocolo mundial pela Organização Mundial do Turismo e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
— Não adianta nada criar uma jabuticaba brasileira, algo que só sirva aqui e não fale com o resto do mundo. Temos que ter protocolo que seja aceito pelos outros países. E qual vacina será válida? Quais vacinas o governo brasileiro vai aceitar? — questionou.
Gerente do Grupo de Sistema de informações do Programa Nacional de Imunização (PNI), Rui Moreira Braz considera o projeto oportuno, visto que consolida iniciativas que já vinham sendo tomadas pelo Ministério da Saúde desde 2018. Ele ressaltou que alguns dos certificados previstos no projeto, como o certificado de vacinação, já se encontram disponíveis à população. Em relação aos certificados internacionais de testagem e recuperação de doenças infecciosas, estes exigirão ajustes para integração dessas informações, ressaltou.
— O Ministério da Saúde já está se adaptando para poder emitir certificado internacional. Estamos fazendo uma adaptação; todas essas vacinas já são codificadas pela OMS. Já estamos adaptando nossa base nacional de dados em saúde para poder receber essas terminologias em inglês. A base nacional já está pronta para receber essas informações. Com relação ao histórico vacinal, ainda não temos essa base completa porque os dados anteriores a 2020 não eram identificados nominalmente pelo CPF. Em relação a esses dados, vamos precisar de um esforço para que o próprio cidadão atualize seus dados no passaporte. A grande importância desse projeto é que vai organizar toda essa documentação nessa base nacional que já existe. Quanto ao certificado de recuperação de doenças infecciosas, essa é a parte mais complexa — afirmou.
Representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Nélio Cézar de Aquino explicou que a autarquia só atua em fronteiras, e que o controle de emissão de certificado em território nacional está fora do seu escopo de atuação.
— A Anvisa tem emitido uma certificação de vacinação; esse documento é previsto no regulamento sanitário internacional. E a Anvisa, como autoridade nos postos de entrada, é quem faz essa atividade. Hoje existe a possibilidade de um país cobrar três tipos diferentes de vacina: febre amarela, poliomielite e meningite. Já emitimos esse documento de forma eletrônica e sem custo. A vacinação para covid-19 não está dentro do regulamento internacional, e a OMS por enquanto se posiciona contrariamente quanto à exigência desse documento para viagem, o que pode ser revisto futuramente para, quando esse momento chegar, a gente rapidamente incorporar isso ao nosso regramento sanitário. Não existe previsão para cobrança de testagem. Os certificados de profilaxia já são emitidos pela Anvisa; qualquer cidadão já vacinado tem direito de pedir eletronicamente e sem custo — disse.
Diretor do Departamento Consular do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Leonardo Gorgulho disse que a criação do passaporte é inescapável para a recuperação da economia. Entretanto, sugeriu a adoção de outro nome para o certificado, para evitar que o termo original, que designa o documento oficial de viagem, não seja confundido com uma iniciativa que trata da situação sanitária individual de cada pessoa. Também sugeriu cautela no envolvimento dos consulados brasileiros na iniciativa, e ressaltou a importância da avaliação rigorosa de informações apresentadas nos postos brasileiros no exterior.
— Acho temerário que a aceitação de determinadas atividades de Estado deixe de estar em mãos de especialistas, como devem ser os funcionários da Anvisa, e passe ao agente consular, que está lá na ponta, sobretudo em países de menor desenvolvimento. É necessário que se respeite cada legislação local e que consulados não passem a emitir certificados sobre documentos estrangeiros sobre os quais não podemos testar a veracidade. Não se pode criar ônus adicionais e barreiras diplomáticas. O Brasil não exige visto de entrada de um considerável número de países. Enquanto não houver consenso internacional sobre um documento único, o mais factível é deixar que autoridades reconheçam certificados sanitários emitidos por outros países. O Itamaraty sugere que o documento previsto no projeto de lei sirva sobretudo para a circulação interna e que seja emitido por autoridades brasileiras — destacou.
Diretor do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa), além de fundador e ex-presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina Neto disse que o projeto é importante, mas considerou complexa a sua implantação diante da imprevisibilidade gerada pela pandemia.
— Deixo duas sugestões: a primeira, para que a Anvisa e o MRE sejam escutados para que a gente não construa barreiras onde hoje já existem caminhos, como o regulamento sanitário internacional, que apresenta um conjunto de regras, e que se permita que o movimento a ser feito pela OMS e outros países consiga congruentemente fazer parte da nossa legislação. A segunda, que a gente faça uma lei deixando claro os seus objetivos, mas que a sua aplicação seja definida ao longo do tempo, diante da imprevisibilidade dos fatos gerados pela pandemia. Temos muita água para rolar debaixo dessa ponte ainda. A vacina vai nos ajudar muito, mas não vai resolver todos esses problemas — afirmou.
Coordenador-geral de Polícia de Imigração do Ministério da Justiça e Segurança Pública, André Zaca sugeriu aprimoramentos no projeto.
— Talvez a gente pudesse pensar em uma redação para deixar o texto um pouco mais aberto. Em vez de prever que a entrada no Brasil estaria condicionada à sua apresentação, [a proposta] poderia dizer que a autoridade competente sanitária irá dispor a respeito de quais vacinas poderiam vir a ser exigidas pelo passaporte. Dessa forma, o texto não necessitaria de alteração ao longo dos anos, mas apenas do normativo interno da agência sanitária competente com a previsão de quais vacinas deverão ser exigidas. Hoje está vigente uma portaria interministerial que cuida do fechamento de fronteira, dispõe sobre entrada restritiva pelas fronteiras, com exigências diferentes a depender do modal por meio do qual a pessoa acesse o país — argumentou.
Em resposta a André Zaca, o relator do projeto, o senador Veneziano Vital do Rêgo, esclareceu que esse dispositivo do projeto foi alterado, de forma que os visitantes não serão impedidos de acessar o país, mas submetidos às direções sanitárias vigentes.
Representante da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), Doreni Caramori disse que o projeto é importante não só para o turismo internacional, mas especialmente para atividades que têm fluxo restrito, como os eventos.
— Essa foi a atividade sem dúvida mais prejudicada pela pandemia até agora, com 90% do setor sem nenhum faturamento nos últimos meses. O projeto integrado em única plataforma vai facilitar a nossa vida, as ferramentas previstas no projeto vão ser fundamentais — declarou.
Diretor de Marketing da Agência de Desenvolvimento Turístico de Santa Catarina, Fábio Farber disse que o passaporte dará segurança para a retomada do turismo e para que as empresas do setor não possam "negativar" as suas estruturas em pouco tempo ou tenham que regredir no mercado.
— Realmente precisamos de medidas que garantam previsibilidade e início de trabalho para o setor de turismo e entretenimento. A migração dos dados das carteiras de vacinação antigas para as plataformas já deveria ter sido feita — ressaltou.
Representante da Associação dos Promotores de Eventos do Setor de Entretenimento e Afins (Apresenta), Pedro Guimarães manifestou apoio ao projeto, independentemente dos ajustes a serem feitos no texto da proposição.
— Que as regras possam ser atrativas para o desenvolvimento. Precisamos ter um documento oficial que nos dê segurança para que os anfitriões possam receber seu público em seus eventos. Que o custo e a burocracia não criem embaraços ou dificuldades a quem quer visitar o Brasil — argumentou.
Representante da Associação de Marketing Promocional (Ampro), Alex Pagliarini manifestou total apoio à criação do passaporte.
— É necessário que o documento converse com outras plataformas similares como forma de facilitar a identificação da população. O direito das pessoas será preservado; trata-se apenas de um facilitador que favoreça a participação do público em eventos, como já acontece hoje no exterior — afirmou.
Assessor parlamentar do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), Leonardo Moura Vilela destacou que, para que haja retomada da economia com segurança e previsibilidade, é necessário avançar com celeridade na vacinação. Além disso, ele fez vários alertas.
— Há preocupação de que não haja superposição de ações. O projeto é importante, estimula a discussão e vai estimular a melhoria da plataforma Conecte Sus. Temos também problemas lá na ponta, na conexão de internet. Se exigirem mais burocracia neste momento, estaremos criando mais empecilhos à velocidade da vacinação. O vazamento de sigilo pode trazer vários transtornos. Mesmo as pessoas vacinadas, com menor chance de desenvolver a doença, podem continuar transmitindo. Os testes, se forem colhidos no período de incubação da doença, podem dar negativo e a pessoa pode transmitir o vírus. O prazo de validade do teste é muito efêmero, e está provado que as pessoas podem se reinfectar, especialmente com as novas variantes, de comportamento inesperado — observou.
Coordenador da Comissão de Vigilância em Saúde do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Artur Custódio Moreira de Souza defendeu a integração dos bancos de dados das plataformas já disponíveis, além da adoção de mecanismos de segurança na informação.
— Se a aquisição de vacinas tivesse sido antecipada, talvez a gente tivesse prevenido milhares de mortes no país. Se o CNS tivesse sido ouvido pelo Executivo, a gente teria prevenido mortes no país. A gente vê que o cartão SUS e o prontuário eletrônico ainda não estão adequadamente implantados. Faltou ao Executivo ter antecipado esta discussão. Os bancos de dados não estão se conectando, e esse é o grande mérito desse projeto, dizendo que o PNI precisa avançar nisso: a integração dos bancos de dados e a segurança na informação — destacou.
Autor do projeto, o senador Carlos Portinho acredita que a aprovação dessa matéria favoreceria a circulação de pessoas em viagens ou negócios, contribuindo para a retomada da economia em vários setores.
— Não adianta vacinar e ficar preso com os direitos tolhidos. É preciso se antecipar nesse processo, alcançar o melhor modelo dessa plataforma e deixar o governo desenvolver isso. O Ministério da Saúde alimentaria o sistema, e assim teríamos o controle de óbitos, hoje feito por órgãos de imprensa. Mas o governo precisa ter o seu próprio sistema de gestão de dados, por mais imprevisível que seja o momento — argumentou.
Carlos Portinho disse ainda que os dados do Conecte SUS apresentam controvérsia, e que o seu projeto favorece até mesmo quem é contrário à vacinação obrigatória.
— Dou a estes a alternativa no documento. Hoje em dia, sem haver passaporte, os negativos estão junto com os positivados em casa, com suas liberdades tolhidas. Mesmo para os antivacinas, o passaporte pode ser um documento de liberdade; ele é a tecnologia a favor da saúde de todos — afirmou.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN), que presidiu essa sessão, disse que o projeto é inovador e deve ser complementar a outras iniciativas que busquem a retomada econômica de forma responsável.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) concorda com a criação do projeto, mas ressaltou que a criação de um certificado de vacinação “não é tão simples”.
— A grande medida econômica se chama vacina, não tem outra. Não existem vacinas disponíveis para todos. Temos hoje menos de 15% da população efetivamente vacinada. Não é tão simples exigir um certificado. Não é a OMS que vai resolver os problemas econômicos da gente. Falta vacina para o povo — lamentou ela.
O senador Esperidião Amin (PP-SC), por sua vez, considera o projeto um ensaio que vai seguir bons princípios, “não princípios de exclusão, mas de prevenção”.
— É uma medida civilizatória compatível com a época em que vivemos, a época da pandemia, e a lenta e incerta saída dela. Nós estamos achando que estamos saindo dela. Precisamos disso — declarou.
Relator do projeto, Veneziano Vital do Rêgo informou que vai acatar algumas sugestões apresentadas ao projeto, que ainda poderá ser aperfeiçoado na Câmara dos Deputados — e, se isso ocorrer, retornar ao Senado para posterior aprimoramento. Ele concordou com a integração das plataformas de dados da saúde, mas destacou que o projeto possui uma abrangência maior, e não trata apenas da pandemia enfrentada atualmente. Na avaliação de Veneziano, o atraso na aquisição de vacinas submete o Brasil a um número de mortos que vai contra a dignidade humana.