O novo governo de coalizão de Israel será um dos governos mais incomuns que Israel viu nos últimos anos e deve marcar o fim da linha para o primeiro-ministro mais longevo da história do país, Benjamin Netanyahu.
Pouco antes da meia-noite de quarta (02/06) para quinta-feira, Yair Lapid, líder do partido centrista Yesh Atid , informou ao presidente de Israel, Reuven Rivlin, que havia conseguido formar uma nova coalizão, após semanas de negociações extenuantes.
"Eu me comprometo com você, Sr. presidente, que este governo trabalhará para servir todos os cidadãos de Israel, incluindo aqueles que não são membros dele, respeitará aqueles que se opõem a ele e fará tudo ao seu alcance para unir todas os setores da sociedade israelense ", apontou Lapid numa declaração oficial.
A coalizão é ampla e diversificada. Ela inclui ex-aliados de Netanyahu, direitistas linha-dura, centristas e membros da esquerda. A nova coalizão também terá, pela primeira vez, o apoio direto do pequeno partido árabe Ra'am, que assinou o acordo duas horas antes do prazo. Seu líder, Mansour Abbas, fez campanha prometendo um maior envolvimento dos cidadãos árabes na política israelense. A decisão foi descrita como "histórica" pela mídia israelense.
O "governo de unidade" pode acabar com mais de dois anos de impasse político após quatro eleições inconclusivas e até mesmo potencialmente provocar a saída de Benjamin Netanyahu, o mais longevo premiê da história de Israel.
Um governo de unidade formado em 2020 entre Netanyahu e seu ex-rival Benny Gantz (do partido Azul e Branco) teve vida curta e novas eleições foram convocadas em março de 2021. "Não acabou, mas ontem Yair Lapid e Naftali Bennett deram um grande passo para formar o governo alternativo", escreveu o jornalista Yuval Karni no diário Yedioth Ahronoth.
O novo acordo de coalizão ainda precisa ser votado pelo Knesset, o Parlamento de Israel, nas próximas semanas antes que um novo governo possa tomar posse. Analistas acreditam que haverá muita pressão sobre alguns deputados de direita - que já estão sendo chamados de "traidores" por apoiadores de Netanyahu - para abandonar o acordo. A nova coalizão tem uma maioria mínima de 61 dos 120 assentos no Knesset.
"Finalmente, é certo que Bibi vai embora. Não importa se ele é um bom ou mau primeiro-ministro; não é saudável que alguém esteja no controle por tanto tempo", disse a estudante Avia Farrah Hadal em Jerusalém. "Isso corrompe as pessoas, precisamos de uma mudança, precisamos de novas pessoas e talvez isso leve a uma mudança."
Outro transeunte teria preferido um resultado diferente. "Sinto 'pena' do novo governo. É mais [um movimento] anti-Bibi do que um governo de unidade. Eu sou a favor da unidade, mas não uma unidade como esta", disse o estudante Ori Fridlich. "Acho que a mudança deveria ter chegado um dia, mas peço que Bibi fique; ele foi o melhor que tínhamos para o Estado de Israel."
Yair Lapid, líder do segundo maior partido de Israel, o centrista Yesh Atid, foi o arquiteto dessa coalizão ampla. Se tudo correr como planejado, ele vai dividir o cargo de primeiro-ministro com Naftali Bennett, líder do partido religioso de extrema direita Yamina. Bennett chefiará o governo nos primeiros dois anos, seguido por Lapid nos dois anos seguintes. "No final desta semana, podemos entrar em uma nova era com um primeiro-ministro diferente", disse Yair Lapid na segunda-feira.
A coalizão será um dos governos mais amplos da história de Israel, e os deputados terão que superar suas diferenças ideológicas para trabalhar em conjunto. A aliança também vai incluir o Partido Trabalhista, de centro-esquerda, com seu líder Merav Michaeli, e o partido de esquerda Meretz, mas também o novo partido Nova Esperança, do ex-aliado de Netanyahu Gideon Saar. Outro partido da coalizão é o Israel Beitenu, a legenda secular de Avigdor Liberman.
Analistas acreditam que o foco principal da coalizão será na economia, o orçamento do Estado e questões sociais, evitando lidar com as questões mais polêmicas, como a política sobre assuntos palestinos - pelo menos por enquanto. Mas há muitas outras questões em aberto, desde direitos LGBTQ a questões religiosas, com as quais os membros da coalizão têm pontos de vista totalmente opostos. É por isso que alguns observadores se perguntam por quanto tempo a coalizão permanecerá intacta.
Naftali Bennett deixou em aberto suas opções quanto a se ingressaria em um governo formado por Netanyahu ou em uma "coalizão de mudança" formada por Yair Lapid. O eventual acordo de divisão de poder entre Lapid e Bennet tem sido controverso, já que o partido de Bennett, Yamina, tem apenas sete das 120 cadeiras do Knesset, e apenas seis dos parlamentares eleitos pela sigla apóiam a coalizão.
Bennett, de 49 anos, é um ex-empresário de tecnologia que entrou na política há mais de uma década. Por muitos anos, ele foi um assessor próximo de Benjamin Netanyahu e o chefe do conselho de colonos "Yesha". Bennett é franco em sua oposição a um Estado palestino soberano e defendeu a anexação de partes da Cisjordânia ocupada. Analistas questionam se ele poderá transformar essas visões ideológicas em política num governo tão diverso.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu partido de direita Likud são os maiores perdedores após os últimos acontecimentos políticos no país. Após 12 anos, Netanyahu terá que deixar a residência de primeiro-ministro na rua Balfour, que foi palco de inúmeras manifestações com o objetivo de destituí-lo ao longo do ano passado.
Netanyahu também enfrenta na Justiça um julgamento por acusações de corrupção. Da mesma forma, os partidos ultraortodoxos que eram seus aliados mais próximos ficarão fora do poder pela primeira vez em anos - a menos que decidam ingressar no novo governo no futuro.
À medida que o acordo entre Lapid e Bennett se aproximava, Netanyahu passou a agir de maneira mais agressiva. Ele acusou seu ex-apadrinhado Bennett de ser "a fraude do século" depois que o ex-aliado anunciou sua intenção de se juntar aos esforços de Lapid para construir um "governo de mudança". Netanyahu também afirmou que o novo governo vai enfraquecer a segurança de Israel. "Como vamos olhar nos olhos de nossos inimigos? O que eles farão no Irã ou em Gaza? O que eles dirão nos corredores do governo em Washington? Este governo se posicionará contra o Irã? Este governo apoia o perigoso acordo nuclear", afirmou Netanyahu.
No entanto, Netanyahu deve ter outras preocupações nos próximos meses, incluindo iniciativas para destituí-lo da liderança do Likud.