A importância de aprofundar a discussão sobre o modelo do sistema elétrico dominou a sessão temática desta quarta-feira (2) no Plenário virtual, sobre a medida provisória que viabiliza a privatização da Eletrobras (MP 1.031/2021). Os senadores debateram com especialistas e representantes do Ministério de Minas e Energia, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e de outras entidades.
A maioria dos senadores participantes criticou o uso de uma medida provisória como instrumento para a privatização, dificultando um debate mais extenso, por forçar a apreciação do texto até o final de junho.
— O melhor seria que a MP caducasse e nós fizéssemos o compromisso de tratar dos assuntos que nela estão com discussão mais ampla. Especialistas afirmam que a proposta é nociva ao interesse nacional, porque implica perda de soberania e competitividade do setor elétrico, privilegia matriz térmica em detrimento de fontes renováveis e deve provocar aumento considerável nas tarifas de luz — avaliou o senador Jean-Paul Prates (PT-RN), que presidiu a sessão.
O chefe da Assessoria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério de Minas e Energia, Hailton Madureira de Almeida, expôs os motivos da decisão do governo de privatizar e explicou o método adotado, o de capitalização — emissão e venda de novas ações para que o governo deixe de ter o controle da Eletrobras. Ele lembrou que, pelo texto, nenhum acionista terá mais de 10% do capital votante.
— Entendemos que a capitalização vai tornar a Eletrobras mais forte para investir, e mais forte ela vai poder voltar a investir nas regiões em que atua e voltar a ter o papel de gerar emprego, renda e energia de qualidade — afirmou.
Apesar dos argumentos do governo, senadores e convidados julgaram inadequado o momento para a privatização — em meio a uma grave seca que aumenta o risco de racionamento de energia, já que cerca de 60% da matriz energética brasileira depende das usinas hidrelétricas.
— A Eletrobras não está falida. Ao contrário, deu lucros, inclusive neste período de dificuldade econômica. A melhor decisão era fazer caducar essa MP para o governo mandar um instrumento mais adequado para cá — disse o senador Paulo Rocha (PT-PA), requerente da sessão.
Também foi criticado o substitutivo enviado pela Câmara dos Deputados, que, segundo diversos participantes, contém "jabutis" (dispositivos sem relação com o texto original) que podem encarecer a conta de luz.
— Estamos diante de jabutis. Logo vamos saber para quais propósitos, que ainda se encontram às escondidas. Esse é um debate que devia ser mais alongado, e eu lastimo que o colégio por inteiro não esteja tendo a chance de poder ouvir tantas informações preciosas — lamentou o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).
O senador Marcos Rogério (DEM-RO), relator do projeto, prometeu levar em conta as opiniões apresentadas na sessão pelos especialistas e pelos colegas de Senado.
— Tenho recebido algumas sugestões de adequações e ajustes. Todos sabem que a minha posição na construção desses temas é sempre com muito diálogo, ouvindo os segmentos e tentando ajustar, para que ao final a cadeia do setor esteja contemplada. Quero me colocar à disposição para ouvir e avaliar cada proposta — afirmou.
Alguns participantes fizeram analogias entre o processo de desestatização e a resposta do governo federal à pandemia do novo coronavírus. A senador Izalci Lucas (PSDB-DF) elogiou a exposição de Ikaro Chaves, presidente da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel). Segundo Chaves, "a privatização da Eletrobras é a cloroquina do setor elétrico: não resolve os problemas e pode matar o paciente". A senador Nilda Gondim (MDB-PB) fez coro:
— É como acreditar em cloroquina. Precisamos mobilizar mais pessoas para a necessidade de preservar a soberania nacional — disse a senadora.
O senador Paulo Paim (PT-RS) foi na mesma linha:
— Não podemos cometer o mesmo erro que cometemos com as vacinas. Deixamos que o lucro prevalecesse, não compramos vacina. Está aí o resultado: caminhamos este mês para 500 mil mortos, infelizmente — comparou.
A senador Zenaide Maia (Pros-RN) disse considerar a privatização uma ameaça à soberania nacional, e advertiu para o impacto sobre o comércio:
— Comerciantes, são vocês que vão pagar a conta. O governo quer condenar os mais carentes do Brasil a viver na escuridão.
Mauricio Tolmasquim, ex-ministro de Minas e Energia e professor de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, considera que a MP pode reduzir a competição, em vez de estimulá-la:
— É um paradoxo que um governo com discurso liberal proponha essa medida. É a antítese mesmo de qualquer ideia de competição. Da maneira que está sendo feita, vai dar a um agente privado um enorme poder de mercado, podendo inclusive afugentar investidores do mercado limpo. Além disso, cria reservas de mercado para alguns agentes específicos — criticou.
Alguns especialistas criticaram o incentivo que, segundo eles, a MP dá à contratação de geração termelétrica movida a gás, em detrimento de energias limpas, como a eólica e a solar.
— Estamos falando em abertura de mercado, mas na mesma MP colocam uma reserva de mercado. Não será a contratação de usinas térmicas que vai salvar do racionamento o sistema, e sim todos nós unidos em busca de uma solução — afirmou Elbia Gannoum, presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).
Também participaram como convidados Thiago Magalhães, representante da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel); Clarice Campelo de Ferraz, representante do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina); Nelson Hubner, ex-ministro de Minas e Energia; Shigueo Watanabe Jr., pesquisador do Instituto ClimaInfo; Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace); Lucien Bernard Mulder, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro); e Ricardo Medeiros Castro, coordenador de Estudos de Condutas Anticompetitivas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).