Alguns dias depois da prisão do jornalista Roman Protasevich, capturado a bordo de um avião que voava entre a Grécia e a Lituânia e foi obrigado a fazer um pouso forçado em Minsk no domingo passado (22/5), o gabinete do procuradoria-geral da Lituânia abriu uma investigação contra o presidente da Bielorrússia Alexander Lukashenko por sequestro criminnoso.
A decisão ocorre após a publicação de uma queixa formal elaborada pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e enviada aos promotores da Lituânia, que pedia justamente a investigação contra Lukashenko. O texto cita “sequestro com intenção criminosa” e destaca que a alegação de Minsk de “alerta de bomba” foi uma justificativa utilizada pelo governo bielorrusso para desviar o avião e prender o jornalista.
“Decidimos registrar uma queixa contra o próprio Alexander Lukashenko porque ele foi o instigador direto desse ato de sequestro para fins terroristas.
O código penal da Lituânia penaliza o sequestro de um avião ‘ao ameaçar a vida ou a saúde da tripulação ou dos passageiros’ e define ‘objetivo terrorista’ como ‘intenção de intimidar o público ou parte do público’. Com esse ato sem precedentes, Alexander Lukashenko quis reforçar a intimidação do público, especialmente dos jornalistas”, diz o texto da RSF.
A queixa foi apresentada em 25/5 em Vilnius, capital da Lituânia. E na quinta-feira (27/5), Christophe Deloire, secretário-geral da RSF, e Jeanne Cavelier, chefe do escritório da RSF para a Europa Oriental e Ásia Central, se encontraram com Martynas Jovaiša, promotor-chefe do departamento de crime organizado e investigação de corrupção do gabinete da procuradoria-geral da Lituânia. Jovaiša expressou gratidão pelo fato de uma organização internacional como a RSF ter se interessado pelo processo. Ele disse que a queixa da entidade “foi incorporada à investigação criminal”.
Após a reunião, Deloire disse estar satisfeito com a abertura de uma investigação e com a qualidade do diálogo com o promotor.
“As acusações contra Lukashenko (de ‘sequestro de aeronave com intenções terroristas’), aceitas pelo procurador-geral da Lituânia, são adequadas e a sua candidatura a chefe de Estado não tem precedentes”.
O Secretário disse entender que não há dúvidas sobre a intenção de Lukashenko de aterrorizar a comunidade jornalística, e o trágico destino sofrido por Raman e sua namorada Sofia confirma isso.
“Todo o arsenal judiciário europeu, incluindo um mandado de detenção, deve ser ativado para garantir que este crime extremamente grave não fique impune e que sejam libertados”.
Ainda em Vilnus, a delegação da RSF se encontrou também com um grupo de jornalistas bielorrussos em exílio e com a líder da oposição bielorrussa, Sviatlana Tsikhanouskaya, que destacou a importância da campanha internacional pela justiça no caso. Ela disse que “os jornalistas são o alvo principal”.
Deloire enfatizou a necessidade de reforçar os mecanismos internacionais para proteger jornalistas e propôs diretrizes para apoiar os jornalistas bielorrussos. Ele também anunciou que a RSF se juntou a outras organizações para pedir à Media Freedom Coalition (MFC), criada pelos governos britânico e canadense, para que abordem a questão dos jornalistas bielorrussos, inclusive já na próxima cúpula do G7.
A RSF se reuniu também com Mantas Adomėnas, vice-ministro das Relações Exteriores da Lituânia. A entidade elogiou o papel do país em ajudar a melhorar o direito internacional sobre a proteção de jornalistas. Em texto sobre a abertura da investigação contra Lukashenko, a RSF lembrou que foi sob a presidência do Conselho de Segurança da ONU da Lituânia que foi adotada a Resolução 2222 sobre a proteção de jornalistas em maio de 2015, e que o secretário-geral da RSF falou na sessão em Nova York.
A entidade apela também pela criação do cargo de representante especial do secretário-geral da ONU para a segurança dos jornalistas, com o objetivo de elaborar um mecanismo que garanta que o direito internacional de proteção aos jornalistas está sendo cumprido. Deloire declarou que, “depois deste caso surpreendente (sequestro do avião), a Lituânia tem toda a legitimidade e todos os motivos para usar sua influência para obter a criação deste cargo, que é essencial”.
Por fim, a RSF destaca que, devido à perseguição sem precedentes a jornalistas desde a reeleição de Lukashenko em agosto de 2020, a Bielorrússia caiu cinco posições no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa da RSF, e está agora em 158º lugar entre 180 países.