Não há dúvida de que o governo indiano tem sido altamente incompetente no tratamento da pandemia de covid-19. Antes de desejarmos uma mudança de governo, é necessário compreender o nadir dos valores éticos que desempenhou um papel vital na maior crise humanitária da Índia independente.
Muitas pessoas foram privadas de sua saúde mental, sanidade e dinheiro nesta pandemia. Não há mais regras se você quiser salvar alguém. As pessoas estão pagando até 50 mil rúpias (R$ 3,6 mil) por uma ambulância; e o dobro disso ou mais por dia para internar seu ente querido em um hospital. Estamos pagando preços de mercado negro para comprar itens de necessidades básicas, como oxigênio medicinal e medicamentos antivirais.
Como chegamos a esse estágio de desequilíbrio ético e revogação moral?
Tivemos quase 75 anos para criar uma democracia para proteger os necessitados e criar oportunidades para pessoas de diferentes castas e classes. Em vez disso, os privilegiados acumularam mais privilégios, e os pobres ficaram mais pobres.
Nas últimas sete décadas, necessidades básicas como saúde de qualidade ficaram confinadas ao setor privado, que atende principalmente aos privilegiados ou aos que têm bons relacionamentos. Quando a pandemia pressionou o setor privado, os ricos e privilegiados exerceram toda a influência possível para beneficiar seus entes queridos, deixando os necessitados à deriva.
Hoje, o homem mais rico da Índia não está disposto a desperdiçar nem mesmo 10% de sua riqueza para ajudar o mesmo país cujo sistema quebrado lhe permitiu ganhar até um quarto do PIB do país. Enquanto isso, celebridades pedem doações de cidadãos de um país onde quase 30% da população vivem abaixo da linha da pobreza.
A pandemia também revelou a grosseira falta de ética de altamente qualificados membros da administração e policiais. Por que a maioria de nossos burocratas é incapaz de administrar o país com eficiência ou responsabilizar políticos mas pode ser encontrada na linha de frente para garantir favores para si e seus filhos?
Há um ditado comum na Índia que diz que, em qualquer coisa que envolva o governo, o processo será lento e os funcionários públicos serão preguiçosos. Isso aconteceu porque construímos um sistema que reduziu os competentes à incompetência.
Um país que deseja se tornar uma economia de 5 trilhões de dólares deve primeiro inspirar confiança em seu sistema antes de estabelecer metas mais ambiciosas.
É hora de os indianos pararem de procurar modelos para escapar de sua realidade e começarem a defender uma reforma real. Temos que aceitar que nossas vidas não serão resolvidas por dinheiro, bons diplomas, imigração para o Ocidente, gurus religiosos ou por nos tornarmos servidores do governo.
Nossa vida neste país é muito maior do que perseguir objetivos superficiais, e é nossa responsabilidade trabalhar coletivamente para o desenvolvimento.
Mas desenvolvimento é um termo pluralista e requer esforço coletivo. O primeiro passo é valorizar nossa estrutura federal e trabalhar para fortalecer nossos governos estaduais.
O centro político, liderado pelo Partido do Povo Indiano (BJP), do premiê indiano, Narendra Modi, existe para facilitar a administração, mas não para se tornar o palco central do vil fanatismo religioso. A política religiosa simplesmente fará mais mal do que bem à Índia, pois vai dividir a nação. O conceito de dividir para governar foi usado pelos britânicos para dividir a Índia em duas religiões, mas não devemos voltar a essa rota se realmente queremos nos livrar de nossa ressaca colonial.
O partido no poder deve estar à frente da curva e se preparar para a próxima onda da pandemia e criar salvaguardas para os necessitados. O primeiro passo nesse processo é não fazer das vacinas, uma necessidade básica, uma reserva dos privilegiados.
É verdade que a Índia precisa ver mudanças, o mais rápido possível. Mas, antes de clamarmos por mudanças, é necessário que enfrentemos essa podridão dentro de nossa ética que vai rasgar o tecido de tudo que vier em seu caminho – até mesmo um novo governo.
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Ankita Mukhopadhyay é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal da autora.