Nesta semana, o presidente dos EUA, o democrata Joe Biden, realizou negociações com representantes do Partido Republicano para viabilizar a aprovação de pacote trilionário de investimentos em infraestrutura.
A proposta inicial apresentada pelos democratas em 31 de março prevê investimentos de cerca de US$ 2 a 3 trilhões (entre R$10 e 15 trilhões) em um período de oito anos.
Mas os republicanos expressaram descontentamento, afirmando que o pacote democrata trabalha com uma definição ampla de infraestrutura, que inclui investimentos em outros setores, como saúde e habitação.
A contraproposta republicana sinaliza para um pacote de US$ 568 bilhões (cerca de R$ 3 trilhões), a serem investidos em um período de cinco anos.
Apesar dos diferentes métodos, parece haver certo consenso bipartidário sobre a necessidade de investimento público no setor.
Os primeiros debates recentes sobre a realização de plano de investimento massivo no setor inclusive foram feitos durante a administração do antecessor e rival de Biden, Donald Trump.
"Vejo diversos traços de continuidade da política de Biden em relação à Trump", disse o professor do Instituto de Economia da UNICAMP, Bruno De Conti, à Sputnik Brasil "A forma é distinta, o discurso é diferente, mas a essência é praticamente a mesma."
Segundo ele, agendas como a tentativa de reindustrialização dos EUA e a exigência de conteúdo nacional em projetos públicos já vinham sendo defendidas por Trump.
"Deve haver um consenso bipartidário maior [sobre a necessidade de investir em infraestrutura] mas a maneira de se fazer isso não é unanimidade", disse o economista. "A disputa lá hoje é em torno dos gastos públicos, se eles serão inflacionados ou não, se isso significará um rompimento com o mantra da responsabilidade fiscal."
Além disso, as disputas políticas interferem na aprovação do pacote, já que os republicanos "não querem dar os louros para o Biden", acredita De Conti.
"A maioria democrata do Biden é frágil, então os republicanos sentem que tem o poder de interferir", notou o economista.
Apesar da rivalidade, tanto democratas, quanto republicanos, associam planos nacionais de infraestrutura à disputa com a China.
"O plano de infraestrutura em particular é uma reação à ascensão chinesa. A China tem o projeto da Nova Rota da Seda, estimado em US$ 1 trilhão (cerca de R$ 5 trilhões), e os EUA então respondem com um plano que custará o dobro", considerou. "É como se a China tivesse trucado, e os EUA pedido seis."
Apesar dos EUA ainda estarem na frente da China em muitos setores-chave, como o de semicondutores, a falta de investimentos públicos deixou a infraestrutura norte-americana muito aquém de seu rival asiático, acredita o economista.
"De acordo com o ranking do World Economic Forum sobre a infraestrutura nos principais países, os EUA se encontram na décima terceira posição, o que é lamentável, se considerarmos que é o país mais rico do mundo", relatou De Conti.
Segundo ele, a precariedade da infraestrutura tem reflexos na competitividade norte-americana: "defender o mercado doméstico, ampliar as exportações, atrair a indústria de volta para os EUA, tudo isso passa por uma melhoria da infraestrutura".
Enquanto políticos debatiam o pacote, os EUA sofreram um dos maiores ataques cibernéticos contra seu setor de infraestrutura em sua história.
No início de maio, a maior rede de gasodutos do país, foi alvo de ataque pelo grupo DarkSide, que roubou mais de 100 GB de informações da empresa e suspendeu suas operações.
O gasoduto transporta cerca de 2,5 milhões de barris de óleo e combustíveis por dia, o equivalente a aproximadamente 45% do consumo de gasolina, diesel e querosene de aviação da costa leste dos EUA.
O incidente fez com que especialistas questionassem o nível de investimento em segurança cibernética feito pela empresa privada que opera a rede, chamada Colonial Pipeline.
Em fevereiro deste ano, a empresa responsável pela geração e transmissão de eletricidade do estado do Texas também apresentou falha grave em suas operações, em um momento em que a população mais carecia dela. Durante onda de frio inédita no estado, milhões de pessoas ficaram sujeitas a racionamento de energia elétrica e sem aquecimento por semanas.
Esses incidentes colocam em cheque o modelo norte-americano, que não prioriza o controle estatal de setores-chave da infraestrutura nacional.
"Eu diria que o melhor seria que esses setores estratégicos fossem públicos", disse De Conti. "Só pelo fato de os serviços públicos serem operados por empresas com capital aberto, isso já faz com que a sua administração mude completamente."
Segundo o professor, "ao invés de reinvestir os lucros no serviço que ela presta, a empresa prioriza a distribuição de dividendos para os acionistas".
"O objetivo no fim das contas é menos o objeto em si no qual a empresa atua, e mais a valorização das ações", acredita. "Por isso o setor público deveria estar mais presente em setores estratégicos, como é na China e como já foi no Brasil e outros lugares do mundo."
Apesar do diagnóstico, o economista não acredita que Biden "terá a força política para reverter a tendência em favor do estabelecimento de parcerias público-privadas" em setores-chave da indústria.
Nesse contexto, o plano de infraestrutura de Biden pode se converter em um grande repasse de recursos públicos para empresas privadas do setor.
"Entre o que foi proposto por Biden e o que vai de fato ser aprovado no Congresso já tem mudanças. Entre aquilo que passa no Congresso e o que é implementado, teremos uma mudança maior ainda", alertou De Conti.
Em 31 de março, a administração Biden apresentou projeto de investimento em infraestrutura que prevê investimentos de cerca de US$ 2 a 3 trilhões (entre R$10 e 15 trilhões). Parlamentares republicanos negociam a alteração em termos do projeto, principalmente no que se refere ao escopo e cronograma de investimentos.