Às vezes, a Força Aérea israelense envia um alerta de que vai bombardear um determinado alvo em Gaza, para que os civis possam se abrigar a tempo. Mas no ataque a uma rede de túneis do Hamas na última sexta-feira (14/05), isso não foi possível, explicou um porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF). O motivo alegado é de que se tratava de uma "cidade sob a cidade" - grandes partes dela abaixo de residenciais.
O Hamas, que controla politicamente a Faixa de Gaza desde 2007, entrelaça deliberadamente suas estruturas com instalações civis. Isso aumenta o preço dos ataques israelenses. A maioria dos cerca de 2 mil foguetes que entraram em território israelense desde segunda-feira passada, por exemplo, foram disparados de áreas residenciais de Gaza. Ou seja: o Hamas sabe que se proteger atrás de civis implica um risco.
Como em guerras anteriores, a situação da população civil na Faixa de Gaza se deteriorou novamente nesta semana: de acordo com a ONU, mais de 10 mil pessoas deixaram suas casas por medo de uma iminente ofensiva terrestre israelense.
Mas uma coisa distingue os deslocados de Gaza dos de outras regiões de conflito do mundo: uma cerca de fronteira bloqueia a rota de fuga, o que significa que não há saída do território de 360 quilômetros quadrados sem uma permissão de Israel ou do Egito.
Dezesseis escolas administradas por uma agência da ONU foram transformadas em abrigos de emergência. "Faremos o que pudermos para fornecer aos deslocados internos o apoio básico de que necessitam", diz o diretor da agência da ONU UNRWA em Gaza, Matthias Schmale, à DW.
Cerca de 180 pessoas foram mortas e mais de mil ficaram feridas na Faixa de Gaza desde que os ataques aéreos israelenses começaram. Segundo os trabalhadores humanitários palestinos, dez membros de uma mesma família morreram num único ataque a uma casa no campo de refugiados Shati, no início da manhã de sábado. Entre as vítimas, havia oito crianças.
"Eles não estavam carregando armas, não estavam atirando foguetes", disse o pai de quatro das crianças. "Eles foram mortos enquanto usavam suas roupas festivas para o Eid al-Fitr", completou, em referência ao feriado em que os muçulmanos comemoram o fim do mês de jejum do Ramadã.
Ao todo, 52 crianças foram mortas em Gaza desde segunda-feira. Em Israel, morreram outras duas crianças, de um total de sete vítimas civis e um soldado.
Os ataques estão dificultando o trabalho das agências de ajuda humanitária, das quais grandes setores da população civil em Gaza são dependentes. De acordo com dados de 2019 da agência da ONU para assuntos humanitários (Ocha), 75% da população de 1,6 milhão de pessoas dependia de ajuda alimentar na época, e um em cada três medicamentos básicos não estava disponível.
A eletricidade e a água potável são artigos permanentemente em escassez. E como os postos de fronteira foram completamente fechados pelo lado israelense desde 10 de maio, nenhuma entrega de combustível está chegando atualmente. O diesel já está em falta - ele é urgentemente necessário, por exemplo, para as ambulâncias e para o funcionamento dos geradores de eletricidade.
Pelo menos o fornecimento de alimentos básicos ainda parece ser suficiente, segundo Schmale. O diretor da agência da ONU afirma, porém, que isso pode mudar "se as pessoas fugirem de suas casas e se protegerem em abrigos de emergência ou com parentes". A água, de acordo com ele, também pode se tornar rapidamente um bem escasso.
A necessidade de ajuda psicológica também vai crescer, diz Schamle: "Não podemos perder isso de vista. Se milhares forem alojados em abrigos, também haverá violência de gênero e pressão sobre as crianças. Precisamos pensar sobre isso, e olhar para a saúde mental das pessoas".
Para piorar a situação da população, existe também a ameaça latente do coronavírus: a variante B.1.1.7, que surgiu pela primeira vez na Inglaterra, levou a uma segunda onda na Faixa de Gaza. A vacinação começou no território - mas enquanto 62% da população em Israel já recebeu pelo menos uma dose, a taxa entre os palestinos de Gaza é de apenas 5%.
De acordo com a ONG Médicos Sem Fronteiras, no início de maio, Gaza - que é menor e tem menos residentes que a Cisjordânia - representava mais de 60% dos casos ativos nos territórios palestinos. O território chegou a ter mais de de mil novos casos por dia.
Mas a nova escalada militar parece coincidir com uma desaceleração da segunda onda de covid-19. "Começou a se tornar controlável", diz Schmale sobre a situação nos hospitais. "Tanto quanto eu sei, eles podem cuidar dos feridos. Mas, é claro, se isso continuar e houver uma ofensiva terrestre, os hospitais atingirão muito rapidamente seus limites de capacidade, e isso seria um grave problema humanitário".