Foram necessárias apenas algumas horas após a indicação de Annalena Baerbock como candidata a chanceler federal da Alemanha pelo Partido Verde, em 19 de abril, para que a desinformação e o ódio em torno do nome dela começassem a se espalhar na internet.
Michael Kellner, líder da campanha eleitoral do Partido Verde, diz que o discurso de ódio e as notícias falsas ganharam uma "dimensão completamente nova".
Especialistas advertem que a onda de ódio e desinformação que se espalhou em torno de Baerbock é apenas a ponta do iceberg antes das eleições gerais de setembro, que definirão o sucessor ou sucessora de Angela Merkel.
"Não foi o aumento do conteúdo falso e de ódio que nos surpreendeu. Foi a velocidade em si", diz Josephine Ballon, chefe do departamento jurídico da HateAid, o único centro de aconselhamento da Alemanha que apoia exclusivamente pessoas afetadas pela violência digital. "O que está se desdobrando é o ódio específico de gênero", comentou ela à DW. "Este tipo de ódio procura desacreditar e silenciar o alvo".
O ódio misógino online não é novidade. Um estudo da revista alemã Der Spiegel, divulgado em fevereiro, constatou que 69% das deputadas na Alemanha haviam experimentado "ódio misógino” na condição de parlamentares.
Enquanto 64% disseram ter recebido mensagens - a maioria online, mas também por correio - cerca de 36% experimentaram "ataques físicos contras elas, seus escritórios ou suas casas".
"O ódio contra as mulheres on-line é significativamente mais forte e tem qualidade diferente do ódio e da desinformação voltada contra os homens", diz Ballon.
"O conteúdo falso difundido sobre as mulheres é muitas vezes mais sexualizado. E o espectro é amplo, começando com os comentários sobre a aparência de alguém, seu sexo, sua sexualidade, chegando até a ameaças de abuso sexual", afirma.
Desde sua nomeação, Baerbock tem sido alvo de ódio sexista: houve calúnias sobre sua aparência, mentiras como sobre ela supostamente estar pedindo a abolição dos animais de estimação para combater a mudança climática.
E circulou também uma falsa foto nua de Baerbock, que na verdade era a foto de uma jovem estrela pornô russa com uma vaga semelhança com a política alemã.
Tudo isso foi divulgado em uma tentativa de desacreditar Baerbock, que está atualmente à frente na corrida para substituir Merkel.
"O que estamos vendo agora, infelizmente, não foi inesperado", diz o conselheiro político e de comunicação Johannes Hillje. "Ao lado de teorias conspiratórias, islamofobia e sentimento antimigração, a misoginia é uma parte fundamental da ideologia dos grupos que criam e difundem este tipo de conteúdo".
"Como mulher, política liberal e bem-sucedida, Baerbock atende a muitos dos critérios da imagem clássica de 'inimiga'. Para a nova cena da extrema direita, Baerbock é a nova Merkel", complementa Hillje. Baerbock subiu rapidamente nos índices de popularidade e está politicamente mais à esquerda que Merkel.
Durante anos, mesmo antes da popularização de plataformas como Facebook, Twitter, Telegrama e Whatsapp, Merkel foi alvo de teorias de misoginia, desinformação e conspiração semelhantes às de outras figuras públicas em todo o mundo.
O conteúdo, antes focado na migração, por exemplo, foi rapidamente adotado no último ano para se adequar à pandemia: manchetes e imagens foram alteradas, mas a terminologia e as táticas permanecem as mesmas.
A proteção climática não é apenas um dos temas centrais da campanha verde de Annalena Baerbock, ela também se tornou há muito tempo um assunto-chave para desinformação difundida por grupos de extrema direita e teóricos da conspiração.
No momento, dois grupos principais estão de olho em Baerbock, diz Hillje. Um é uma rede de extrema direita. O segundo é pró-russo, diz ele, apontando as críticas de Baerbock a Moscou, e o desejo do Partido Verde de acabar com a construção do Nord Stream 2, o controverso gasoduto entre a Rússia e a Alemanha.
Mas rastrear a origem exata da desinformação e do ódio ainda é uma tarefa difícil, afirma Till Eckert, repórter e pesquisador da desinformação e do extremismo moderno de direita na organização sem fins lucrativos Correctiv. Ele já expôs vários relatos falsos sobre Baerbock desde que sua candidatura foi confirmada.
O Partido Verde diz que planeja combater o aumento do ódio e desinformação com a chamada "Netzfeuerwehr" (bombeiros da rede), criado antes das eleições de 2017 para reportar conteúdo falso e ódio online. Vários incidentes também já foram relatados de acordo com uma lei, aprovada em 2017, com o objetivo de combater o ódio e a desinformação nas redes sociais.
Julian Jaursch, que dirige o projeto Fortalecimento da Esfera Pública Digital no instituto alemão SNV diz que não há milagre para deter o ódio e a desinformação online.
"Mas, como sociedade, há uma combinação de coisas que podemos fazer para tentar combatê-la", diz. Ele destaca a necessidade de um jornalismo forte e independente e de verificação de fatos para desmascarar a desinformação.
"Os próprios cidadãos também precisam ser competentes na forma como consomem as notícias. Precisamos estar nos perguntando: de onde vem esta notícia? O que esta fonte quer me dizer? É uma fonte séria? Eu realmente preciso encaminhar isso a todos os meus contatos?", questiona.
A maior preocupação dos especialistas agora é menos o efeito nos resultados eleitorais, e mais como o ódio e a desinformação online podem se traduzir em violência na vida real - algo que já se tornou realidade em várias ocasiões.
Durante a pandemia, período no qual se viveu um impulso nas teorias da conspiração, o Instituto Robert Koch, bem como os centros de vacinação, foram atacados por negacionistas da covid. Perpetradores de vários ataques de extrema direita a civis e políticos nos últimos anos também foram ligados a plataformas que divulgavam ódio e desinformação.
"Mais parcelas da sociedade estão se radicalizando cada vez mais", diz Eckert. "E isso não deve ser subestimado".